Segunda-feira, 2 de Janeiro de 2017

O DN a começar o ano em pequenino

A Ana Sanlez do DN assina um texto intitulado "Custo de vida dos portugueses subiu mais do que os salários", provavelmente o mais partilhado nas redes sociais neste início de ano. O objetivo da fama está alcançado, o da fidelidade à informação verdadeira é que enfim. Ora então, a jornalista propõe-se a comparar os preços com os salários, mas acaba por nem acertar nos primeiros, nem nos segundos.

1. Preços
Fala-se do preço do café (que alegadamente sobe 50%), o preço do bilhete de cinema (+86%), a viagem de metro (+180%), e outras ninharias. Eu poderia falar do preço de uma viagem a Londres (certamente mais barata hoje), um automóvel com ar condicionado e consumo de 5L/100km (que desceu certamente), o preço de um portátil com 2,4GHz e 500Mb de disco (que caiu a pique), etc. Mas isso não faz sentido; são meros exemplos.
O INE publica uma coisa que é o Índice de Preços no Consumidor que trata de fazer a média como deve ser. Porque é que não se usou este valor, algo que demora um minuto a ser feito? Talvez porque a subida de 2002 para 2015 tenha sido apenas de 26%, o que não é tão espetacular.

2. Salários
Apesar de se falar em salários no título, no texto fala-se apenas em salário mínimo. Esse parece que subiu 52%... ah bolas, o dobro da subida dos preços. A Ana Sanlez vai então buscar o rendimento disponível das famílias - que entra em conta com muitas outras coisas para além de salários. Mas nem aqui acerta. É que em vez de usar o rendimento per capita, usa o rendimento por agregado familiar. Ora se a Ana tiver um rendimento de 2000, e o namorado receber 1000, o rendimento do agregado é de 3000. No ano seguinte ambos têm um aumento de 50% mas separam-se. A Ana recebe 3000, o namorado 1500, e o rendimento médio dos agregados passa a 2250! Os rendimentos individuais subiram 50%, e o médio por agregado desce! Será que faz sentido dizer que os salários desceram? E também não custava ter visto (nem um minuto demorei) que o tamanho médio do agregado familiar em 2002 era 16% maior que em 2015. Logo, os valores não são comparáveis.

 

P.S.

A SIC Notícias faz uma peça baseada neste texto, e além de repetir os mesmos erros acrescenta outro. Diz que o salário mínimo já era 530€ em 2002!! Não há ninguém que já tivesse a primária feita em 2002 na SIC Notícias, para reconhecer o disparate?

 Post editado: incluído novo exemplo (vôo), de produtos cujo preço desceu.

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publicado por Miguel Carvalho às 15:12
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4 comentários:
De Hugo Ramos a 3 de Janeiro de 2017 às 11:06
"O INE publica uma coisa que é o Índice de Preços no Consumidor que trata de fazer a média como deve de ser."

"Como deve ser" depende do ponto de vista e para que objectivo.

Por exemplo neste paper do BCE:
https://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/scpops/ecbocp15.pdf

é assumido que HICP tem como objectivo "servir de âncora para as expectativas relativamente à evolução de longo prazo dos preços (no contexto de negociações salariais)"

E diz mais: "Se os ajustes de qualidade não forem realizados devidamente, estes objectivos podem ficar comprometidos".

Neste artigo refere-se e bem que certos produtos e serviços sofrem deflação (automóveis, produtos informáticos com características fixas, etc.)

O INE e o HICP têm em conta esta deflação devido ao aumento de qualidade, mas na verdade isto não reflecte a evolução do custo de vida no que toca a aquisições destes produtos. (A qualidade sobe de ano para ano, mas os produtos disponíveis no mercado a cada ano não descem de preço na mesma proporção).

Resumindo, na minha opinião, o HICP (e suponho que o Índice de Preços do Consumidor do INE) não são os índices que fazem a média como "deve ser" no que toca ao objectivo anunciado pelo BCE de servir de âncora para as correctas expectativas num contexto de negociações salariais.
De Miguel Carvalho a 3 de Janeiro de 2017 às 16:13
Escolhi o ICP (nem foi o HICP, embora são muito semelhantes) por ser o índice de preços usado em 99,9% das situações. Se tivesse usado outro, teria sido acusado de usar um índice fora do normal.

Terei todo o gosto em incluir outros índices (de preferência comparando o valor de 2002 e 2015) que me possam sugerir.
De Miguel Carvalho a 3 de Janeiro de 2017 às 16:15
Queria dizer IPC (em português) e não ICP (em inglês)
De Hugo Ramos a 3 de Janeiro de 2017 às 16:57
Sugiro o mesmo Índice de preços mas sem a aplicação dos ajustes de qualidade. Será que esta informação é sequer pública?

Para mais pormenores relativamente ao racional por detrás desta sugestão ver aqui:

http://www.clearonmoney.com/dw/doku.php?id=public:cpi_quality_adjustments

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