Quarta-feira, 17 de Dezembro de 2008

Fazer da especulação certeza irrefutável

O DN adora fazer capas onde aparecem notícias sobre o consumo. E, quase invariavelmente, sai asneira. Na de hoje, lê-se o seguinte: "Portugueses compram presentes mais baratos". Os dados referem-se a pagamentos por multibanco, são da Sibs, e são fornecidos logo no início do texto: "os portugueses estão a aumentar ligeiramente o número de operações de compra, mas a despesa é igual". Ou seja, em relação ao mesmo período do ano passado, este ano há mais pagamentos por multibanco, embora o montante total transaccionado seja sensivelmente o mesmo.

 

O que é que conclui a Paula Cordeiro? Primeiro, que "a crise está a travar os ímpetos consumistas dos portugueses", desmentindo-se a ela própria logo a seguir quando escreve "os portugueses estão a comprar o mesmo". E, segundo, que os portugueses estão a "gastar menos em cada aquisição" (ou, como na capa, "portugueses compram presentes mais baratos").

 

A primeira contradição é desfeita pela própria jornalista, não necessita de mais comentários. A segunda conclusão não é necessariamente verdade. Por várias razões. Primeiro, nem tudo o que é comprado por recurso ao multibanco é "presente". Portanto, querer fazer das compras da época natalícia compras de natal é, só por si, falacioso. Segundo, o número de pagamentos não é igual ao número de "aquisições" nem ao número de presentes. Como é que a Paula Cordeiro sabe quantos produtos estão a ser comprados em cada pagamento? Se forem comprados menos produtos por cada pagamento, então podem estar a ser comprados produtos mais caros com a mesma despesa total (ou menor). Terceiro, os portugueses podem perfeitamente estar a usar o multibanco mais frequentemente, gastando a mesma despesa sem necessariamente comprar "presentes" mais baratos.

 

Portanto, aquela conclusão não passa de pura especulação. E pura especulação, quando revestida de ar de verdade irrefutável, não devia aparecer em capas de jornais.

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publicado por Pedro Bom às 10:58
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Quinta-feira, 29 de Maio de 2008

Estimativas informais...

1. A principal notícia da capa do Público de ontem, bem como o habitual espaço de destaque (página 2 e 3) são afinal baseados em... "estimativas informais" do Público. Os títulos  contudo estão cheios de certezas.

Queda na procura de combustíveis trava aumento da receita do IVA, diz o título.

Efeito da subida dos preços contrariada pela redução do consumo de gasolina, reza o subtítulo. Só no texto da capa é que se lê "pode ter provocado".

  

No título e subtítulo interior a mesma certeza. Só no meio do texto e nas letrinhas pequeninas da legenda dos seis gráficos e duas tabelas é que ficamos a saber que estamos a falar de "estimativas informais". Dois terços dos dados nos gráficos e tabelas são números "estimados informalmente", sendo tratados tal e qual como os dados oficiais. (Lurdes Ferreira tem a humildade de reconhecer esta fragilidade... mas no meio do texto. O que se retêm é obviamente o título.)

 Eu até poderia estimar informalmente que o PIB vai descer ou crescer 10%, mas por alguma razão não o faço.

Isto não é jornalismo, é conversa de café.

 

2. Na página três lê-se nas letras gordas Famílias pobres são as que mais sofrem com a subida dos preços dos combustíveis. Ora quando se olha para o gráfico vê-se um escalão de rendimentos onde o impacto é maior do que no escalão mais pobre, e dois escalões empatados. Só há três escalões que se diferenciam dos restantes 7. O título é portanto enganador, bastando a letrinha D antes do artigo "as" para o tornar verdadeiro. Caiu provavelmente.

 

Quando verificamos o próprio gráfico (e o texto) percebemos que o título também é enganador quando fala em combustíveis, já que todos os dados estão relacionados com consumo de energia em geral (electricidade, gás). Claro que os preços da energia estão correlacionados com o preço do crude (e não com o dos combustíveis), mas se vamos por aqui, todos os produtos estarão correlacionados.

Não há portanto cuidado com o nível de agregação dos dados, porque mete transporte privado, transporte público, gás e electricidade tudo no mesmo saco. Cada categoria  de produtos tem obviamente aumentos diferentes e tem pesos diferentes em cada uma das classes de rendimento. A conclusão tirada é portanto muito abusiva. Até se pode dar o caso de os resultados se inverterem se retirarmos o gás e a electricidade!

 

 

 

Nota habitual: não estou a afirmar que as informações estão erradas, apenas que não há aqui nada que permita ao Público chegar a esta conclusão.

publicado por Miguel Carvalho às 11:37
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Domingo, 25 de Maio de 2008

Quando os jornalistas pensam por nós II

Na notícia que o Pedro refere aqui, é dito a certa altura que "a fuga das poupanças de muitos portugueses de fundos de investimento e produtos estruturados para os tradicionais depósitos continua a ser uma realidade. Em Março, o total de dinheiro aplicado em depósitos tradicionais na banca a operar em Portugal ascendia a 102,3 mil milhões de euros, mais 11% do que em igual mês do ano passado."

Paula Cordeiro apenas mostra que os depósitos subiram, mas não resistiu a concluir que esta subida vem da fuga aos fundos de investimento e produtos estruturados... do nada. É que no estatísticas no Banco de Portugal usadas no artigo, não há dados discriminados da posse deste tipo de produtos por parte de particulares! Não lhe passou pela cabeça que a posse deste tipo de título também tenha subido?

 

Nota habitual a este dois posts: eu não estou a dizer que a conclusão é errada, porque os dados não me o permitem. Tal como não deveriam permitir às jornalistas concluir o que concluíram.

 

 

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publicado por Miguel Carvalho às 16:18
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Quando os jornalistas pensam por nós

É impressionante a quantidade de vezes que temos jornalistas a tirar conclusões do quase nada, sendo que a conclusão mais fácil e que vende mais é... é a crise. Por que é que não se limitam a informar-nos da realidade?

Vem este comentário a propósito de mais uma capa do Público. O principal texto da capa começa assim: "O aumento anormal dos preços no consumo estão [sic] a levar muitos portugueses a optar pelos supermercados mais baratos (discount) e pelas marcas próprias das grandes cadeias de distribuição (também mais em conta)."

Em lado nenhum é dito de onde vem esta conclusão que Ana Rita Faria se lembra de tirar!  O único dado que apresenta é o aumento da quota de mercado dos supermercado discount e dos produtos de marca branca.

Não é possível, por exemplo, que existam agora mais supermercados discount, e que apenas isso esteja por detrás pelo aumento da sua quota de mercado? O mesmo se aplica ao produtos de marca branca. Não pode ter havido uma aposta neste tipo de produto por parte dos supermercados1, o que também explicaria este aumento? Nada que passe pela cabeça da Ana.

 

1. No supermercado que mais frequento, esta aposta é clara, mas eu não caio no mesmo erro. Não concluo o que me apetece do nada.

publicado por Miguel Carvalho às 16:00
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Segunda-feira, 19 de Maio de 2008

Meter as palavras na boca de outrem II

"The credit crunch is continuing and it is not evident that the worst is over, the head of the European Central Bank has told the BBC" lê-se no site da BBC.

Onde existe uma declaração prudente com algumas incertezas, o Público viu um dado adquirido, escrevendo "Jean Claude-Trichet avisa que pior da crise ainda não passou".

Nem mais!

 

 ----------

A propósito de Público, recebi uma resposta do Provedor do Público sobre o disparate descrito neste post, que lhe enviei então. Dando uma vista de olhos rápida pelos números ele diz "os dados revelados na notícia em questão estão de acordo com o que é dito no título da 1ª página (...) parece que a contradição estará no estudo do ISCTE e não na notícia do PÚBLICO". Ora é óbvio, quem fez o estudo é que se enganou nas suas próprias conclusões!
 

publicado por Miguel Carvalho às 14:57
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Sexta-feira, 9 de Maio de 2008

Meter as palavras na boca de outrem

Chegado por e-mail

 

Mais um exemplo de uma notícia onde o título inventa uma confissão que depois não é secundada pelo texto. Diz hoje o SOL que "Olmert disse: «Nunca recebi subornos. Nunca»". Mais à frente "Numa comunicação que durou seis minutos, Olmert confirmou que recebeu dinheiro do investidor nova-iorquino Morris Talansky, mas insistiu que se tratava apenas de doações para financiar a sua campanha de reeleição à câmara da cidade e à liderança do partido Likud.".

Qual o título que o SOL escolhe? "Olmert admite receber subornos mas recusa renunciar ao cargo"!!

 

Não está em causa se aqueles fundos eram suborno ou não, não está em causa a ética do senhor. O que está em causa é que o SOL viu uma confissão onde ele não existe.

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publicado por Miguel Carvalho às 12:18
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Quinta-feira, 22 de Novembro de 2007

A brincar é que a gente se entende

Os jornais e os jornalistas entendem bem o poder do alarmismo. E o que acontece quando um lobby se junta a jornais e jornalistas sob a mesma lógica do alarmismo? Avanço com uma hipótese: uma grande confusão.
 
Vem isto a propósito de uma notícia da agência Lusa publicada hoje no Público online sobre a segurança dos brinquedos: “Estão à venda em todo o tipo de lojas – Maioria dos brinquedos testados pela Deco representa risco para as crianças”.
 
O parágrafo-chave, que alimenta toda a notícia é o seguinte: “Contrariando a ideia de que perigosos são os das lojas chinesas, a Deco comprou 30 brinquedos também em lojas da especialidade e hipermercados e descobriu que 18 eram perigosos, tendo concluído que nenhum tipo de espaço comercial dá garantias de segurança”.
 
Como se me bloqueia a prosa ante tamanho amontoado de disparates num só parágrafo, só consigo elencá-los por via esquemática, ponto por ponto:
 
1) Como é que se contrariou seja o que for?
 
Só porque se compraram 30 brinquedos TAMBÉM noutras lojas e 18 destes eram perigosos, contrariou-se que “os das lojas chinesas” não são perigosos? Afinal, desses 18, quantos foram adquiridos em lojas chinesas?
 
2) Não interessa o “onde”, mas sim o “quem”
 
Que interessa onde se vendem os brinquedos? Em última análise, os responsáveis serão os fabricantes. Assim como se se encontrar um prego numa lata de Coca-Cola, o responsável é, à partida, isto é, não tendo razões para suspeitar do contrário, o fabricante (a própria Coca-Cola), e não o Sr. Zé da mercearia lá do bairro onde a lata tenha sido vendida.
 
Tudo bem, a maior parte dos brinquedos é hoje fabricada na China. Mas o responsável não deixa de ser a empresa sob o nome da qual os brinquedos são fabricados, seja ela chinesa, portuguesa, ou do Zimbabué.
 
3) Maioria
 
Pois, de 30 brinquedos, bastava que 16 fossem considerados perigosos para já se poder falar de “maioria”. Resta saber se a Lusa daria o mesmo título à notícia, caso a Deco tivesse testado 3 brinquedos e 2 – a maioria – fossem considerados perigosos.
 
4) Representatividade
 
Obviamente, as conclusões dos testes da Deco aos brinquedos serão válidas para a população de brinquedos, a qual se subdivide num infindável número de estratos – idades para as quais estão indicados, para rapariga ou para rapaz, etc –, para a população de vendedores de brinquedos – hipermercados, lojas chinesas, lojas portuguesas, etc –, e/ou para a população de fabricantes, se os brinquedos testados representarem essas mesmas populações.
 
Ora, não é preciso estar com muitas coisas para perceber que 30 brinquedos ou 18 brinquedos – em suma, os resultados deste estudo –, provavelmente, não representam coisa nenhuma. Ou melhor, representam: aqueles 18 brinquedos em particular parecem ser perigosos e provavelmente devem ser retirados do mercado.
 
Não se percebe se o(a) jornalista cita ambiguamente a responsável técnica da Deco de forma intencional ou não quando escreve “mais de metade dos brinquedos comprados são perigosos”. Espero que se referisse às compras da Deco e não estivesse a sugerir que mais de metade dos brinquedos comprados em Portugal são perigosos. Este estudo não sustenta, e nem o poderia fazer pela forma como parece ter sido conduzido, tal sugestão.
 
5) O que é que é perigoso e de que crianças estamos a falar?
 
Sobre estes dois aspectos considero ser bastante referir apenas que num subtítulo da notícia se pode ler “Peças pequenas que se soltam”, e depois são dados exemplos de brinquedos inseguros...; e perguntar o seguinte: e é o mesmo estarmos a falar de crianças com meses de idade ou de crianças já com uns anitos?
 
Conclusão: pelo que vem sendo identificado neste e noutros blogs e noutras instâncias, parece ser claro que grande parte da falta de rigor e de conclusões abusivas em certo tipo de notícias publicadas pelos jornais nem é culpa, exclusivamente, dos jornalistas.
 
Notas (curiosas): 1) falta cerca de um mês para o Natal. 2) E, do nada, vem-me à cabeça uma questão: a melhor forma de defender os consumidores é atacando comerciantes?
publicado por Carlos Lourenço às 22:04
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Quarta-feira, 14 de Novembro de 2007

Prova cabal

Parece que houve duas cartas enviadas à presidência da CML com denúncias relacionadas com as suspeitas que levaram à rusga da PJ na SRU Oriental de Lisboa. A primeira foi enviada quando Carmona Rodrigues ainda estava em funções, o que para a jornalista da SIC responsável pela reportagem transmitida esta noite, era prova cabal de que o então presidente estava a par da situação. Carmona negou, a jornalista insistiu e deu o dado como adquirido.
Só me vem à cabeça os "populares" que dizem que o Presidente da República e o Primeiro-Ministro sabem que que eles têm um sobrinho desempregado, só porque já lhe escreveram uma carta a contar a situação.
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publicado por Miguel Carvalho às 23:16
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