A Ana Sanlez do DN assina um texto intitulado "Custo de vida dos portugueses subiu mais do que os salários", provavelmente o mais partilhado nas redes sociais neste início de ano. O objetivo da fama está alcançado, o da fidelidade à informação verdadeira é que enfim. Ora então, a jornalista propõe-se a comparar os preços com os salários, mas acaba por nem acertar nos primeiros, nem nos segundos.
1. Preços
Fala-se do preço do café (que alegadamente sobe 50%), o preço do bilhete de cinema (+86%), a viagem de metro (+180%), e outras ninharias. Eu poderia falar do preço de uma viagem a Londres (certamente mais barata hoje), um automóvel com ar condicionado e consumo de 5L/100km (que desceu certamente), o preço de um portátil com 2,4GHz e 500Mb de disco (que caiu a pique), etc. Mas isso não faz sentido; são meros exemplos.
O INE publica uma coisa que é o Índice de Preços no Consumidor que trata de fazer a média como deve ser. Porque é que não se usou este valor, algo que demora um minuto a ser feito? Talvez porque a subida de 2002 para 2015 tenha sido apenas de 26%, o que não é tão espetacular.
2. Salários
Apesar de se falar em salários no título, no texto fala-se apenas em salário mínimo. Esse parece que subiu 52%... ah bolas, o dobro da subida dos preços. A Ana Sanlez vai então buscar o rendimento disponível das famílias - que entra em conta com muitas outras coisas para além de salários. Mas nem aqui acerta. É que em vez de usar o rendimento per capita, usa o rendimento por agregado familiar. Ora se a Ana tiver um rendimento de 2000, e o namorado receber 1000, o rendimento do agregado é de 3000. No ano seguinte ambos têm um aumento de 50% mas separam-se. A Ana recebe 3000, o namorado 1500, e o rendimento médio dos agregados passa a 2250! Os rendimentos individuais subiram 50%, e o médio por agregado desce! Será que faz sentido dizer que os salários desceram? E também não custava ter visto (nem um minuto demorei) que o tamanho médio do agregado familiar em 2002 era 16% maior que em 2015. Logo, os valores não são comparáveis.
P.S.
A SIC Notícias faz uma peça baseada neste texto, e além de repetir os mesmos erros acrescenta outro. Diz que o salário mínimo já era 530€ em 2002!! Não há ninguém que já tivesse a primária feita em 2002 na SIC Notícias, para reconhecer o disparate?
Post editado: incluído novo exemplo (vôo), de produtos cujo preço desceu.
Houve uma desvalorização na bolsa, ou seja os preços a que eram trocado os títulos em bolsa foi menor ontem do que anteontem. Isto nada tem a ver com a entra ou saída de capitais na bolsa. Aliás é bem possível que haja entrada de capitais na bolsa e haja uma desvalorização ao mesmo tempo.
Explicando de modo a que entendam no Correio da Manhã:
No dia 1, as acções da empresa A valiam 5€, e as da B valiam 10€. O Joãozinho que tem acções da A, e o Pedrinho que tem acções da B, decidiram trocar uma pelas outras, pelo valor de 5€ as primeiras e 9€ pelas segundas. Não saiu um único euro da bolsa, mas houve uma desvalorização na bolsa.
Eu entendo que a imagem de helicópteros a atirar dinheiro seja apelativa, e que o facto de o termo helicopter money existir mesmo em economia monetária, tenha dado vontade à Patrícia Abreu de escrever um texto intitulado "Saiba como ganhar com os helicópteros de dinheiro do BCE" no Jornal de Negócios. Contudo, e por muito que se tenha esforçado com várias referências gráficas a essa imagem como "o helicóptero levantou voo", "atirar dinheiro para a economia", "provocou um vórtice", "o helicóptero da Fed esteve muitos anos no ar" e "na Zona Euro, só agora descolou" (isto tirado apenas do pequeno resumo que a versão online mostra... imagino que continue), o que está a acontecer na Zona Euro nada tem a ver com helicopter money.
A ideia essencial é imprimir moeda que vá parar directamente às mãos das famílias, estimulando a procura, e isso não está a acontecer. O BCE não está a dar dinheiro, está sim a comprar activos financeiros, algo que faz desde o primeiro dia sendo que desta vez o faz em larga escala, comprando títulos de dívida pública e aumentando a moeda em circulação. Enquanto eu e a Patrícia não recebermos dinheiro na carteira sem termos de pedir um empréstimo ou vender um activo financeiro, não estamos perante helicópteros de dinheiro.
O Diário Económico tem hoje uma entrevista publicada sobre o título:
"Costa só deixará de ser presidente da CML quando for nomeado primeiro-ministro".
A capa do DE até é bem mais explícita, ao resumir o tema com um "António Costa fica na Câmara até às eleições legislativas".
A Liliana Valente do Observador, ao fazer um texto sobre a mesma, achou que era muita mais giro alterar uma conjunção, e optou por:
Costa só deixa de ser presidente se ganhar eleições
Depois de ter sonhado há umas semanas que o BCE ia dar dinheiro de borla a toda a gente, o jornalista do Dinheiro Vivo/DN diz agora que o BCE acha que Trabalhadores têm poder a mais e prejudicam empresas. Felizmente já alguém se deu ao trabalho de dar uma olhada no estudo em causa, e de desmontar a... "notícia". Foi o Luís Aguiar-Conraria em Títulos Porreiros.
Quem abre a página do Jornal de Negócios lê isto:
Poder de compra subiu pela primeira vez em três anos
O título da notícia de Eva Gaspar diz um pouco mais, mas é igualmente mau:
Poder de compra dos portugueses subiu pela primeira vez em três anos para 79% da média europeia
Primeiro temos a habitual confusão entre "poder de compra" (seja lá o que isso for), e o PIB per capita em PPP. Não seria tão grave se este não fosse o único documento do Eurostat onde consta uma medida que realmente se aproxima do que as pessoas entendem por "poder de compra", o Actual Individual Consumption. Ou seja, tendo à frente dos olhos a melhor definição de compra que existe, o JNegócios olha para a coluna do lado.
Segundo, quando o meu vizinho perde o emprego e o meu salário é reduzido 20%, não é por a minha desgraça ser menor que o meu rendimento sobe. O JNegócio discorda. Acha que o meu rendimento está melhor. A palavra "subir" dá a entender que se está perante uma subida real, quando os dados são apenas sobre uma subida relativa.
Este texto de Luís Reis Ribeiro, não tem ponta por onde se pegue, logo a começar pelo título:
1."BCE quer dar dinheiro à borla a toda a gente".
O BCE não revelou nenhuma intensão clara, para lá de avaliar o que já está a fazer.
O BCE não quer dar, quer emprestar... o que é diferente, e algo que faz desde que foi criado.
Mas não se falou em emprestar, falou-se em comprar títulos de dívida, que a serem comprados seriam comprado a preço de mercado.
E não é emprestar de borla sequer. O BCE já empresta a taxas muito baixas... e não pensa mudar isso. (Ver frase acima)
A toda a gente? Não... O BCE não pensa ter contacto com mais ninguém do que com os bancos ou os mercados financeiros, algo que faz desde que foi criado.
2. ""quantitative easing" (QE), isto é, programas de alívio monetário puro que, no fundo, é ter o banco central a imprimir moeda que depois injeta nas economias, sem cobrar em troca. "
Imprimir moeda, e injetar nas economias, é algo que o BCE faz também desde o primeiro dia.
O não cobrar nada, repito, é mentira.
Por último QE, não tem nada a ver com o que diz a frase.
3. "oferecê-lo às economias: aos governos, aos bancos, às empresas, às famílias."
Oferecer: não.
Governos: não.
Bancos: sim!
Empresas: não.
Famílias: não.
4. " trata de impressão pura de moeda."
E o que será então a impressão impura?
5. "financiamento direto via moeda"
Mas.. um financiamento se não é via moeda, seria via quê? Ouro?
6. "o BCE pode ficar com o lixo e as dívidas de bancos, empresas e Estado"
O BCE nunca ficaria com o lixo (?) e as dívidas dos bancos e do Estado (as empresas nem são para aqui chamadas). O que pode acontecer é que um banco/Estado pode não conseguir pagar, e o BCE fica sem o dinheiro. Mas isto já pode acontecer hoje em dia, porque o BCE tem biliões em activos financeiros no seu balanço.
7. "mutualizando perdas de países mais pequenos"
Os grandes não têm perdas? E são só os países que têm perdas?
8. " o BCE precisa de ter controlo sobre o tamanho do seu balanço, explicou o banqueiro, algo que atualmente parece não estar resolvido."
Como é que não está resolvido, se é o BCE é independente e decide o que faz em termos de empréstimos?
9. "puxar a inflação para próximo de 2%, como está no tratado que institui o seu mandato."
Isto não está no mandato. O que está nos tratados é que tem como objectiva a estabilidade dos preços. Os 2% foram definidos pelo próprio BCE.
10. "É que, no limite, está a dar-lhes dinheiro." (sobre o QE)
Outra vez. Dar e emprestar são diferentes.
11. "O BCE simplesmente adquire os ativos e compensa com emissão de moeda, que fica a circular no sistema. Só o BCE, único emissor de moeda, tem poder para fazer uma coisa destas."
Compensa o quê? Só o emissor é que pode emitir?
12. "Há evidência suficiente de que o QE pode ser eficaz"
Evidence, em português diz-se "prova". É contudo uma evidência que o autor não o sabe.
Hoje: Draghi diz que é essencial reduzir a inflação “tão depressa quanto possível”
O Draghi falou sim em "elevar", tal como é atestado pelo resto da imprensa. O Público ouviu "reduzir" - o que, geralmente, é o oposto de "elevar".
Sendo que uma molécula orgânica contem carbono por definição, o Público pode esperar sentado por tal revelação.
Há duas semanas: BCE já iniciou a preparação técnica para comprar dívida pública
A frase que o Público cita como prova é a seguinte "The Governing Council has tasked ECB staff and the relevant Eurosystem committees with ensuring the timely preparation of further measures to be implemented, if needed", sendo que em nenhuma parte da conferência de imprensa é referida a compra de dívida pública, e mais nenhum órgão de comunicação europeu falou em tal coisa.
A reação dos jornalistas portugueses perante críticas construtivas (como as deste blog) é quase sempre de desprezo ou de contra-ataque. Uma chamada de atenção para um erro não é visto como uma ajuda, mas como uma afronta ou uma ofensa pessoal. Do pouco que nos foi chegando sobre a reação dos jornalistas ao blog, percebemos que havia uma raiva latente.
Hoje pela primeira vez deixei um comentário no Guardian, provavelmente o melhor jornal europeu, onde eu corrigia uma informação dada num texto. Poucos minutos depois, o jornalista em causa escrevia no topo da página um pedido de desculpas, afirmando que as informações que tinha dado antes estavam erradas por culpa sua.
Portugal lidera quebras na construção, diz o Económico.
Portugal teve a queda mais profunda na construção em 2012, diz o Jornal de Negócios.
Polónia cai 23.7%, Portugal 18.2%, diz-nos o Eurostat - a alegada fonte das notícias. O Eurostat diz ainda que não há dados para Chipre, Irlanda e Grécia.
Se é esta a exigência que se tem com coisas que ou são branco ou preto, imagine-se quando há vários tons de cinzento.
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