Na sua coluna "A força dos números", no caderno de economia do Expresso de hoje, Daniel Amaral tenta convencer-nos da impossibilidade económica de aumentos reais (isto é, superiores à inflação, prevista em 2,1% para 2008) nos salários da função pública. Lá desejável até seria, mas... lamento muito, não é possível.
Eis o argumento: aumentos dos salários reais da função pública levam a aumentos dos custos unitários de trabalho, que levam à perda de competitividade das nossas empresas, que levam à deterioração da balança comercial, que implica endividamento externo. Como o endividamento externo é um facto, os salários reais não podem aumentar.
Dois comentários:
1. Num exercício de ginástica notável, Daniel Amaral confunde salários da função pública com salários do sector privado, e termina a cadeia causal na balança de pagamentos. Medir a produtividade dos serviços não é fácil, e muito menos dos serviços produzidos pelo Estado. Daniel Amaral, como quem não quer a coisa, resolve o problema virando-se para o sector privado.
2. É possível aumentar os salários reais, sem aumento dos custos de trabalho unitários, desde que esses aumentos sejam inferiores ou iguais aos da produtividade. Daniel Amaral até parece perceber a ideia, quando diz que os "(...) acréscimos superiores à inflação mais a produtividade (3,4%) fariam subir os custos salariais unitários, o que seria péssimo". Mas depois conclui: "Moral da história: acréscimos salariais superiores à inflação podem ser socialmente justificáveis mas não são economicamente realistas". Então e a produtividade ? Pois, é que entre 2,1 e 3,4 ainda cabem muitos números. "Para cima de trinta e dois mil", dizia um antigo professor de estatística.
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