Quinta-feira, 22 de Novembro de 2007

A brincar é que a gente se entende

Os jornais e os jornalistas entendem bem o poder do alarmismo. E o que acontece quando um lobby se junta a jornais e jornalistas sob a mesma lógica do alarmismo? Avanço com uma hipótese: uma grande confusão.
 
Vem isto a propósito de uma notícia da agência Lusa publicada hoje no Público online sobre a segurança dos brinquedos: “Estão à venda em todo o tipo de lojas – Maioria dos brinquedos testados pela Deco representa risco para as crianças”.
 
O parágrafo-chave, que alimenta toda a notícia é o seguinte: “Contrariando a ideia de que perigosos são os das lojas chinesas, a Deco comprou 30 brinquedos também em lojas da especialidade e hipermercados e descobriu que 18 eram perigosos, tendo concluído que nenhum tipo de espaço comercial dá garantias de segurança”.
 
Como se me bloqueia a prosa ante tamanho amontoado de disparates num só parágrafo, só consigo elencá-los por via esquemática, ponto por ponto:
 
1) Como é que se contrariou seja o que for?
 
Só porque se compraram 30 brinquedos TAMBÉM noutras lojas e 18 destes eram perigosos, contrariou-se que “os das lojas chinesas” não são perigosos? Afinal, desses 18, quantos foram adquiridos em lojas chinesas?
 
2) Não interessa o “onde”, mas sim o “quem”
 
Que interessa onde se vendem os brinquedos? Em última análise, os responsáveis serão os fabricantes. Assim como se se encontrar um prego numa lata de Coca-Cola, o responsável é, à partida, isto é, não tendo razões para suspeitar do contrário, o fabricante (a própria Coca-Cola), e não o Sr. Zé da mercearia lá do bairro onde a lata tenha sido vendida.
 
Tudo bem, a maior parte dos brinquedos é hoje fabricada na China. Mas o responsável não deixa de ser a empresa sob o nome da qual os brinquedos são fabricados, seja ela chinesa, portuguesa, ou do Zimbabué.
 
3) Maioria
 
Pois, de 30 brinquedos, bastava que 16 fossem considerados perigosos para já se poder falar de “maioria”. Resta saber se a Lusa daria o mesmo título à notícia, caso a Deco tivesse testado 3 brinquedos e 2 – a maioria – fossem considerados perigosos.
 
4) Representatividade
 
Obviamente, as conclusões dos testes da Deco aos brinquedos serão válidas para a população de brinquedos, a qual se subdivide num infindável número de estratos – idades para as quais estão indicados, para rapariga ou para rapaz, etc –, para a população de vendedores de brinquedos – hipermercados, lojas chinesas, lojas portuguesas, etc –, e/ou para a população de fabricantes, se os brinquedos testados representarem essas mesmas populações.
 
Ora, não é preciso estar com muitas coisas para perceber que 30 brinquedos ou 18 brinquedos – em suma, os resultados deste estudo –, provavelmente, não representam coisa nenhuma. Ou melhor, representam: aqueles 18 brinquedos em particular parecem ser perigosos e provavelmente devem ser retirados do mercado.
 
Não se percebe se o(a) jornalista cita ambiguamente a responsável técnica da Deco de forma intencional ou não quando escreve “mais de metade dos brinquedos comprados são perigosos”. Espero que se referisse às compras da Deco e não estivesse a sugerir que mais de metade dos brinquedos comprados em Portugal são perigosos. Este estudo não sustenta, e nem o poderia fazer pela forma como parece ter sido conduzido, tal sugestão.
 
5) O que é que é perigoso e de que crianças estamos a falar?
 
Sobre estes dois aspectos considero ser bastante referir apenas que num subtítulo da notícia se pode ler “Peças pequenas que se soltam”, e depois são dados exemplos de brinquedos inseguros...; e perguntar o seguinte: e é o mesmo estarmos a falar de crianças com meses de idade ou de crianças já com uns anitos?
 
Conclusão: pelo que vem sendo identificado neste e noutros blogs e noutras instâncias, parece ser claro que grande parte da falta de rigor e de conclusões abusivas em certo tipo de notícias publicadas pelos jornais nem é culpa, exclusivamente, dos jornalistas.
 
Notas (curiosas): 1) falta cerca de um mês para o Natal. 2) E, do nada, vem-me à cabeça uma questão: a melhor forma de defender os consumidores é atacando comerciantes?
publicado por Carlos Lourenço às 22:04
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