Terça-feira, 23 de Outubro de 2007
A propósito das últimas estatísticas sobre a pobreza, tem-se dado a entender que os assalariados com salários mais baixos são cada vez mais pobres, como é feito
aqui. Até se tem usado a expressão de "novos pobres", como se de uma nova classe social se tratasse.
É preciso dizer que a definição de pobreza não é um conceito estático. O limiar de pobreza está ligado à mediana da distribuição de rendimentos. Logo a mesma capacidade de compra (ou rendimento real) em 1997 poderia estar acima do limiar mas estar agora abaixo, porque o rendimento mediano (e o médio também) subiu nestes últimos 10 anos.
Só deste ponto de vista é que pode ser dito que há "novos pobres", ou seja em rendimento real relativo em relação ao resto da população, e não em termos de poder de compra.
Não há portanto aqui dados que indiquem
que os assalariados tenham mais dificuldades hoje do que há uns anos. Por exemplo o salário mínimo nacional não tem perdido poder de compra.
(Mais uma vez sublinho, este
não é um blogue de opinião, e eu
não estou a defender que o cenário é cor-de-rosa
nem a dizer que a situação é justa).
Segunda-feira, 22 de Outubro de 2007
O país entrou em estado de choque desde que o Procurador-geral da República veio dizer que suspeitava estar sob escuta. Isto porque ouvia uns barulhos esquisitos.
Eu não sou especialista, e por favor corrijam-me se estiver enganado, mas dado os telemóveis serem um sistema totalmente digital, parece-me que não faz sentido nenhum haver "barulhinhos" quando um telemóvel está sobre escuta. Nos antigos telefones analógicos colocava-se um fio para puxar o sinal e daí o barulho, agora nos telemóveis não se colocam fios. (Nenhum jornalista se lembrou de pôr isto em causa. Bom, isso já seria pedir demais.)
Nota: bem sei que o essencial do escândalo passa pela ignorância do PGR no que toca a algo que deveria estar sob o controlo dele, mas parece-me que se trata de um caso de mania da perseguição.
No caderno de Economia do Expresso do último Sábado, e sob o título “Eles falham muito”, escrevem João Silvestre e Ana Sofia Santos o subtítulo “As projecções do Governo pecam por excesso de optimismo”. A certa altura é-nos dito que “no crescimento do produto interno bruto (PIB) há uma tendência para exagerar”. E passam a explicar: “na última década, apenas por quatro vezes as projecções do Governo inscritas no Orçamento foram ultrapassadas”. Ora, considerar 6 projecções erradas por excesso, num total de 10 possíveis, uma “tendência para exagerar” é já bastante abusivo.
Mas, se examinarmos a tabela onde nos convidam a “descobrir as diferenças” imediatamente descobrimos que duas daquelas seis projecções (para 1999 e 2004) se encontram na forma de intervalo de confiança, que em ambos os casos incluem o valor que realmente se veio a verificar. Bem, eu chamo a isto uma estimativa acertada.
Façamos então as contas. Em 10 projecções, 4 erraram por defeito, 4 erraram por excesso e duas acertaram. Mais, nos dois intervalos de confiança acertados o valor real veio a situar-se mais próximo do limite superior do que do inferior; ou seja, estivesse este intervalo na forma de estimativa pontual e o erro seria também por defeito, o que viraria o marcador para 6-4 a favor do excesso de pessimismo. Hum, cheira-me que nos jornalistas do Expresso existe uma certa... ai, como é que se diz?... isso, tendência para exagerar.
Sábado, 20 de Outubro de 2007
"Listas de espera em Portugal são 10 vezes maiores que em Espanha" diz em letras garrafais a capa do Público de hoje.
1. Usando os números apresentados na capa (e a estranha medida de tamanho das listas) as listas em Portugal são na realidade 8,24 vezes maiores, mas 10 fica melhor. Vinte ficaria melhor ainda.
2. Tal como diz a notícia os números não são de Espanha mas apenas da região de Madrid (que não é certamente igual ao resto da Espanha)! Isto escolhendo cuidadosamente os distritos a comparar poderíamos talvez chegar à conclusão que as listas em Portugal são mil vezes maiores ou até mil vezes menores.
3. A medida do tamanho da lista que o Público inventou é engraçada. Compara o número de pessoas, em cada mil, que esperam por uma cirurgia. Ora não faz sentido fazer rácios de percentagens (ou permilagens como aqui). Dizer que a área de Espanha é cinco vezes maior que a de Portugal faz sentido, agora o quíntuplo de uma percentagem pode nem sequer existir! Por exemplo se em Espanha 12% das pessoas esperasse por uma cirurgia, seria impossível Portugal ter uma percentagem 10 vezes maior (120% não existe).
4. Não é claro no artigo como foi calculado o número de pessoas à espera. Pegar no número de atrasos e dividir pela população seria um enorme erro porque há muita gente que está inscrita para a mesma cirurgia em vários hospitais ao mesmo tempo. Assim uma pessoa contaria por 3 ou 4.
5. Contar um número por cada mil não é uma percentagem (como diz o texto) mas uma permilagem.
6. É dito ainda que o tempo de espera é 100 vezes maior em Portugal. Isto faz sentido quando se compara as médias (ou talvez as medianas) mas o Público faz algo disparatado. Compara as percentagens de pacientes que espera há mais de 6 meses.
6.1. Mais uma vez o absurdo rácio entre percentagens.
6.2. Embora difícil, poderia acontecer até que a média de espera fosse menor em Portugal!
6.3. Comparar casos extremos não faz sentido. Imagine-se que em vez de 6 meses usaríamos 3 anos, e que nenhum paciente em Espanha esperasse mais de 3 anos. A brilhante conclusão que o Público tiraria seria que o tempo de espera em Portugal é infinitamente maior do que em Espanha.
Moral da história: usando esta falta de rigor na análise dos dados, poderiamos chegar ao resultado que nos apetecesse.
Não sei se o leitor já realizou a massiva quantidade de evidências de que o português está a ser comido pelo inglês.
Traduzindo: Não sei se o leitor já se apercebeu da enorme quantidade de indícios de que o português está a ser comido pelo inglês.
Um dos meus favoritos é o "sindicato", porque torna algumas frases hilariantes. Syndicate em inglês não é sindicato em português (tal como realize não é realizar, etc...). Syndicate é uma palavra de difícil tradução, mas no mundo financeiro (onde é mais comum ouvir o termo) bank syndicate designa o conjunto de instituições financeiras que financia um dado investimento a crédito, não tendo por isso absolutamente nada a ver com a organização dos trabalhadores da banca.
Quanto às frases hilariantes, cá ficam algumas do Público Economia de ontem, autoria de João Manuel Rocha:
"... a empresa foi aconselhada (...) a fazer uma operação pública de venda (...). Era preciso arranjar um sindicato bancário que tomasse firme a operação".
"... todos os accionistas maioritários das empresas queriam fazer a sua OPV e faziam-no, desde que arranjassem um sindicato bancário que lhe garantisse a operação".
Estes "jornalistas" não realizam os erros que escrevem?
Terça-feira, 16 de Outubro de 2007
Grande parte da reportagem de hoje na SIC sobre o anúncio da data de reabertura do túnel do Rossio, era dedicada a algo que à primeira vista parece uma barbaridade: o túnel renovado terá uma saída de emergência a meio mas esta não está preparada para deficientes motores.
Além dos comentários ao estilo "só neste país", há ainda uma emocionante cena em que o jornalista coloca o presidente (?) da REFER entre a espada e a parede ao perguntar, bem ao estilo do jornalista-herói que desmascara o malfeitor , o porquê desta discriminação. O pobre homem balbucia um pouco e não sabe responder. Há ainda alguém que comenta que os elevadores não podem ser utilizados em caso de emergência, mas o jornalista insiste e o pobre homem não tem resposta.
Uma pergunta inocente: alguém alguma vez viu em algum país saídas de emergência preparadas para deficientes?


As imagens foram retiradas do Destak de hoje, mas poderiam ser de qualquer outro jornal.
Recordamos a quem se esqueceu, que a electricidade não se vende à unidade nem ao Kilo, mas ao kW, e que portanto, o pimeiro título deve ser lido como segue: Para o consumidor médio, aquele que tenha um consumo de electricidade igual à média dos consumidores, a sua factura mensal terá um agravamento de 1,09 euros.
E claro que a luz não se vende.
Segunda-feira, 15 de Outubro de 2007
Numa pequeníssima
notícia, o Dinheiro Digital consegue cometer vários erros:
Inflação sobe 0,4% em Setembro
O Índice de Preços no Consumidor (IPC) registou uma variação de 0,4% em Setembro face a Agosto, enquanto a variação homóloga se situou em 2,1%, anunciou esta segunda-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE).
1. Há muitas medidas de inflação, mas a mais comummente utilizada (e é a ela que nos referirmos quando dizemos apenas "inflação") é a variação homóloga anual do nível de preços de um dado cabaz de compras, o chamado IPC. Ora a "inflação" referida no título não é esta, mas sim a variação mensal do IPC.
2. A inflação já é por si só uma subida, de modo que quando dizemos que a inflação subiu estaremos em princípio a dizer que a velocidade de subida teve um aumento. "A inflação subiu 100%" quer dizer que duplicou, ou seja passou de 5% a 10% por exemplo. Mas a notícia refere uma subida do IPC e não da inflação. Assim o título deveria ser "Preços sobem 0,4%" ou "inflação subiu para os 0,4%" (assumindo que a anterior foi menor, o que não verifiquei).
3. Mas se realmente quiséssemos falar da variação da inflação, deveríamos dizer que a "inflação subiu 0,4 pontos percentuais". "Subiu 0,4%" significaria que passou de 2% para 2,08% e não de 2,0% para 2,4%.
Domingo, 14 de Outubro de 2007
Escrevem Nicolau Santos e João Silvestre no Expresso deste Sábado, em jeito de "apreciação global", segundo os próprios, que "(...) este orçamento fica claramente nas mãos da conjuntura externa e das empresas" (o itálico é meu). Ou seja, o que tem de novo este orçamento? Então, como está bom de ver, ao contrário dos orçamentos que já lá vão e dos que estão ainda para vir, este está nas mãos de todos menos do governo. Isto dizem eles.
Não pretendo contrariar afirmações de gente tão entendida em orçamentos e défices, mas pergunto eu: então e os outros, dependeram de quê? Bem, que eu saiba as receitas fiscais sempre dependeram do nível de actividade económica e, logo, das empresas. E há várias décadas que Portugal é uma pequena economia aberta, sujeita a choques externos, sejam eles bons ou maus. O que há de novo nisto? É isto o que têm para nos dizer os jornalistas do Expresso sobre o orçamento do próximo ano? Enfim, pobre "apreciação global".
Mais à frente: "Se a situação internacional piorar e houver uma quebra de confiança dos empresários, o resultado será certamente menos investimento e menos criação de emprego". Pois, e se melhorar o resultado será certamente mais investimento e mais criação de emprego. E se for assim-assim, o resultado será certamente investimento assim-assim e criação de emprego assim-assim. Chama-se a isto "incerteza". Para quem não saiba, é uma característica das economias globalizadas de hoje.
Sábado, 13 de Outubro de 2007
Aqui comentaremos o sensacionalismo dos meios de comunicação que se dizem não sensacionalistas.
Ignoraremos sempre os jornais e revistas que se renderam ao "tabloidismo" mais rasca
