Terça-feira, 20 de Novembro de 2007
Ia escrever sobre esta maravilhosa conclusão do Expresso, mas o Ricardo Mamede do
Ladrões De Bicicletas já escreveu tudo o que havia a escrever. A ler.
Dois erros em um só texto de informação num jornal “de referência” (Público) ou numa agência informativa “de referência” (Lusa) é obra:
1) Confundir a infecção com o vírus HIV com ter SIDA.
Pode estar-se infectado com o vírus HIV e não necessariamente “ter SIDA” (a que corresponde a fase final da infecção em que o sistema imunitário do indivíduo já não consegue lutar contra infecções que de outro modo conseguiria).
2) Confundir o número total de infecções com o HIV com o número de NOVAS infecções.
Considerando o número de infecções com o HIV acumulado, Portugal não é o quarto país “mais infectado”, mas sim o SEGUNDO mais infectado (além de bem à frente da França estar a Suiça e ainda a Bélgica, dependendo do número de novas infecções em 2006).
Mais ainda, considerando uma medida relativa, por exemplo o número de infectados por milhão de habitantes, Portugal é o “MAIS infectado” de toda a Europa Ocidental.
Nota: estas considerações podem ser confirmadas consultando o relatório das Nações Unidas referido na notícia (em http://www.unaids.org/en/), e o relatório HIV/AIDS Surveillance in Europe referido no primeiro relatório (em http://www.eurohiv.org/). Seria ainda bom prestar atenção a alguns dos problemas relacionados com a obtenção de estatísticas relativas às infecções com o vírus HIV escritos neste último relatório (p.ex. a taxa de incidência da infecção pode não coincidir com o número de novos casos diagnosticados em determinado ano, uma vez que a infecção pode ter ocorrido anos antes).
Achar que “num mundo perfeito” os Óscares seriam indicadores inequívocos e universais da qualidade de um filme é talvez utópico e potencialmente perigoso. Simplesmente porque para o “mundo perfeito” de muitos outros, nem haveria Óscares.
Os Óscares da Academia de Hollywood existem. E existem para premiar os filmes que a Academia entende como “bons”. Obviamente, o que é bom para uns não é bom para muitos e é até mesmo muito mau. Em particular, para muitos, o que a Academia acha “bom” é um anúncio que certifica o oposto: se é “bom”, é porque é “mau”.
Já investigado cientificamente, o que está em causa é saber se cada espectador adopta um comportamento de “Maria vai com as outras” ou se é “snob”. Embora qualifique aqui intencionalmente ambos os comportamentos pejorativamente, estes podem corresponder a estratégias óptimas para diferentes indivíduos face aos Óscares, não sem variações que podem depender do contexto específico em cada decisão (alternativas existentes, tempo, informação disponível).
Por exemplo, para muitos espectadores, o facto de a Academia qualificar um filme como bom, isto é, nomear um filme para e, possivelmente, premiá-lo com um Óscar nas categorias mais importantes, é uma garantia de qualidade que funciona como uma redução do risco de pagar por um bilhete de cinema e não gostar do filme, e, ao mesmo tempo, uma heurística de decisão que permite poupar nos custos de obtenção de informação e nos custos de tempo.
Isto acontece quando um indivíduo considera que as suas preferências estão alinhadas com as preferências da Academia, alinhamento este que provavelmente foi construído com base em experiências passadas “bem sucedidas”. Ou seja, não é só publicidade. Mas é claro que a questão se impõe: gostaria de um filme, da mesma forma, isto é, com a mesma intensidade, um indivíduo com preferências alinhadas com a Academia, tivesse o filme sido nomeado/premiado pela Academia ou não? Portanto, um problema de endogeneidade na decisão do indivíduo. E é esta uma questão importante? Sim, porquanto um indivíduo pode influenciar fortemente as decisões de outros indivíduos.
Mesmo para indivíduos cujas experiências passadas lhes tenham revelado um desfasamento entre as suas preferências e as preferências da Academia, os Óscares funcionam exactamente da mesma forma, mas com resultados opostos: certificam que é arriscado pagar por um bilhete de cinema para ver um filme que muito provavelmente não se irá gostar e permitem igualmente poupar nos custos de obtenção de informação e de tempo.
Agora, se um filme chega a ser nomeado/premiado para os Óscares porque tem sucesso comercial ou se um filme tem sucesso comercial porque foi nomeado/premiado para os Óscares, é uma questão de causalidade que poderia ser facilmente testável com recurso a dados das bilheteiras antes e depois dos Óscares.
Nota final: estas considerações são válidas para qualquer tipo de produtos/bens para os quais haja atribuição de prémios.
Não querendo pensar, mais uma vez, que algum jornalismo em Portugal tenta ainda aproveitar-se da naftalina, de fantasmas e de preconceitos da época salazarista, e, sobretudo, não querendo discutir se interessa saber os bitates sociológicos de um defunto sobre todo um povo, resta-me indagar sobre o que, numa notícia, pode ser lenda, mito, rumor, boato, ou verdade.
Escangalho-me a rir por saber que Franco, segundo nos conta, via DN, o médico Ramiro Rivera que acompanhou o ditador espanhol na sua doença, “na maior parte do tempo se encontrava incapaz de falar e que os quatro médicos que o atendiam pouco mais lhe conseguiam ouvir do que monossílabos [palavras tipo 'não', 'sim', 'ai', 'ui', etc]”, mas que, de repente, vomita, nada mais nada menos, que 18 sílabas seguidas!
Hercúleo esforco, não para pedir um copo de água, um analgésico, uma extrema unção, ou para um queixume, mas para vociferar “não acredito nisso [que em Portugal, após a revolução de 25 de Abril de 74, se fosse “armar uma grande confusão e correr muito sangue”], os portugueses são muito cobardes”.
O Diário Digital conta-nos
aqui a história de um bebé que foi deixado anonimamente num "gavetão" de uma instituição social belga. A piada está no local onde isto ocorreu. Parece que foi em... Anvers. Sobre isto, já tudo foi dito
aqui.
Segunda-feira, 19 de Novembro de 2007
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, o número de licenciados desempregados em Portugal aumentou em 167.000.
Esta notícia vem na primeira página do Diário Económico, e é citada em todos os telejornais da SIC.
Diz a senhora locutora da SIC:
“O crescimento do desemprego nos licenciados desde que se iniciou a governação Sócrates põe em causa o modelo de crescimento baseado nas novas tecnologias como motor para resolver os problemas do mercado de trabalho”.
Em entrevista dada àquela estação televisiva, Martim Avillez Figueiredo, director do Dário Economico, esclareceu (às 18:25 H), que as perdas de emprego estão a ocorrer nas áreas das ciências humanas - professores, psicólogos, sociólogos, etc - onde de facto o número de licenciados desempregados aumentou. Mas refere ele, que nas áreas tecnológicas, pelo contrário, o número de licenciados não chega para satisfazer a procura. Portanto em bom rigor, não devemos estranhar estes números, antes considerá-los como inevitabilidades de uma adaptação estrutural da economia.
Disse ele!
Está explicado?
Talvez para alguns, porque nos noticiários seguintes da SIC (22.00h) a afirmação que se faz é exactamente a mesma dos noticiários anteriores: “O crescimento do desemprego nos licenciados desde que se iniciou a governação Sócrates põe em causa o modelo de crescimento baseado nas novas tecnologias pois não está a ser capaz de resolver os problemas do mercado de trabalho”
O senhor Dr Martim Avillez Figueiredo teve tanto trabalho a explicar e vocês não perceberam?
"Os pais portugueses são os menos brincalhões da Europa". Assim fecha José Rodrigues dos Santos a primeira parte do Telejornal de ontem. Com uma notícia destas, quem ousa mudar de canal. Fico para a segunda parte. Segundo um determinado estudo, parece que só 6% dos petizes é que não têm o azar de não terem pais com quem brincar. Lá pelo meio da peça, perdida entre as opiniões dos especialistas em psicologia infantil, lá se refere a composição da amostra. Pois, parece que só 9 países foram considerados no estudo. Era o que havia. Por favor, alguém explique a esta gente que só na zona Euro são 12, na restante União Europeia mais 15 e na restante Europa outros 20. Portanto, 12 mais 15 mais 20, noves fora, acho que dá... 47 países europeus. A RTP não perde tempo, e toca a brincar com os telespectadores.
Por definição, um acontecimento pode ou não ocorrer. O que interessa é saber qual a sua probabilidade de ocorrência e que confiança se pode depositar nessa estimativa. Assim, o que dizer de um título, ainda que de uma pequena notícia no Público de hoje, como este: “Chuva pode chegar hoje a todo o país”?
No texto do DN pode depois ler-se a palavra “alegada” várias vezes. Mas na primeira página e no título da notícia, o que aparece é “Morgado vai investigar corrupção na Madeira” e “Corrupção na Madeira nas mãos de Morgado”, respectivamente. É isto uma técnica jornalística para chamar a atenção ou um acreditar solene no provérbio “não há fumo sem fogo”?
“Carência de iodo afecta 80% das grávidas”, é o título no DN sobre um estudo do Grupo de Estudos da Tiróide da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo. Uma pessoa fica alarmada: 80% das grávidas? Então mas isso são mesmo muitas grávidas!
Segundo o estudo, ou pelo menos, segundo a notícia, “80% das mais de 2200 grávidas observadas em 10 maternidades portuguesas tinham valores de iodo abaixo do desejável e 20% valores muito abaixo do normal”. Este estudo e estes números são depois usados ao longo da notícia para alertar (alarmar?) para os perigos da falta de iodo entre as grávidas.
Mas espera aí. Este estudo e esta notícia não deixam de me parecer um bocado obscuros e difíceis de acreditar. Por, pelo menos, duas razões.
1) Mais uma vez não é claro se aquela proporção pode ser generalizada para a população. Foram as 10 maternidades escolhidas de modo a representarem a população de grávidas portuguesas? Ou seja, as 2200 grávidas observadas captam suficientemente a heterogeneidade de condições de vida, dietas alimentares e outros factores entre as grávidas em Portugal?
2) Se 80% das grávidas observadas têm valores de iodo abaixo do desejável e 20% muito abaixo do normal, então 100% das grávidas, ou seja, TODAS as grávidas portuguesas, estão com “problemas de iodo” (assumindo que a coisa foi bem feita, isto é, que não era preciso fazer a pergunta 1 em cima). A notícia devia ter como título “Grávidas portuguesas não têm iodo”?