Sábado, 19 de Janeiro de 2008
Tenho feito um esforço para me informar sobre qual o gás que assustou meia Lisboa. Debalde.
O disparate foi generalizado, tendo a maioria da comnicação social concluído que se tratou de um "composto misterioso" que tinha enxofre na sua "estrutura molecular".
O Expresso de hoje é um pouco mais explícito: foi "sulfato de hidrogénio"! Mas infelizmente, sulfato de hidrogénio é coisa que não existe. Um sulfato é um sal derivado do ácido sulfúrico cuja molécula é constituída por um radical sulfato ligado a um metal. Se em vez de lá estar o metal estiver hidrogénio, então estamos em presença de um composto que deve ser chamado ácido sulfúrico.
Mas o Expresso adianta que é o gás que entra na composição das bombinhas de mau cheiro. Ah agora sim! Se cheira a ovos podres então é SH2 ou seja ácido sulfídrico, também designado por gás sulfídrico, sulfureto ou sulfeto de hidrogénio.
Qualquer estudante de química reconhece o cheiro.
Sexta-feira, 18 de Janeiro de 2008
Título em letras grandes do
Jornal de Negócios: Bolsa volta a fechar em queda pressionada pelos mínimos da banca.
No texto: o índice principal da bolsa portuguesa recuou 0,08%.
0,08%? Qualquer pessoa com o mínimo de noção de estatística, ou de bom senso, não chamaria a isto uma queda.
0,08%...
Quinta-feira, 17 de Janeiro de 2008
A RTP acaba de passar uma reportagem sobre a queda das taxas de juro da Euribor (juro para os empréstimos entre bancos), que têm vindo a descer há algumas semanas. Logo a seguir a uma pequena referência às vantagens que isto traz a quem têm empréstimo indexados, é dito que isto não é obrigatoriamente uma boa notícia. É passada então uma citação de João César das Neves onde é dito, e bem, que a queda das taxas de juros não é bom sinal porque significa que a economia está a abrandar e os bancos centrais estão a querer puxar pela economia.
A questão é que uma coisa não tem nada a ver com a outra, estamos a falar de taxas diferentes! João César das Neves referia-se certamente ao valor de referência (para a taxa de juro) dos bancos centrais que é ajustado de x em x meses, e que não é alterado há longos meses na Zona Euro. Embora as taxas da Euribor dependam fortemente deste valor de referência, a variação em causa (últimas semanas) não está assim relacionada com intervenções do BCE.
Este post ficou perdido durante um mês na página de edição do blog. Mas como os erros são intemporais, e ele já estava escrito, publico-o de qualquer modo.
O Público de 10/12/2007 publica uma espécie de
análise económica sobre as exportações portuguesas. O texto da autoria de Miguel Pinto e José Rui Felizardo da Inteli tem direito a uma página à parte, com fundo de cor diferente, cheia de gráficos e com um ar de trabalho académico.
Só vou comentar alguns aspectos.
O primeiro gráfico que relaciona o rácio Exportações/Produção com o PIB per capita...
1. ...é curioso porque primeiro de tudo
não sou capaz de o reproduzir. Pegando por exemplo na Hungria (o que está no canto superior esquerdo) os valores do Eurostat (a alegada fonte dos dados) são totalmente diferentes dos que estão no gráfico. O tal rácio é 61% e não os 27% ou 28% do gráfico.
2. Depois pega em apenas 14 países sem explicar porque escolheu estes e não outros. Ora escolher a nossa amostra não é minimamente sério num estudo.
Escolhendo uma amostra que me desse jeito, eu facilmente poderia provar que os Miguéis de 1,72cm (como eu) são os homens mais inteligentes, bonitos e simpáticos do mundo.
3. Para chegar à "conclusão" que é retirada do gráfico ("
valores de exportações mais altos estão associados a um Produto Interno Bruto (PIB) per capita mais elevado.") é desenhada uma bola à volta de alguns pontos, cuja inclinação parece indicar a tal conclusão. Ora uma bola é uma bola. O mínimo que se pediria seria uma regressão. E mesmo uma regressão só indica correlação e
correlação não é causa. Já para não falar de várias outras variáveis que estão escondidas e que podem levar à alegada correlação.
4. Mais precisamente há duas bolas. Uma para países grandes e outras para pequenos. Nem sei o que comentar.
5. (Ligado ao 3 e 4) Eu facilmente arranjaria outros países cujas "bolas" teriam a
inclinação inversa. E posso ficar pelos países ricos. Os EUA têm um rácio baixíssimo mas tem um PIB per capita altíssimo, e suponho que a Eslováquia tenha um rácio alto e um PIB per capita baixo.
No início é dito que os sectores exportadores têm um Valor Acrescentado Bruto (VAB) baixo comparado com o VAB total em Portugal. Ora no primeiro gráfico, o dos têxteis - importante sector exportador em Portugal, Portugal aparece em primeiro...
Nesse mesmo parágrafo em que se introduz o rácio VABsector/VABtotal e o estranho exportações sectoriais/VAB (presumo que VABsectorial, pelos valores elevados em alguns gráficos) diz-se que estes rácios questionam a ideia de Portugal ser uma economia significativamente aberta. Ora o primeiro rácio é apenas "interno", e o segundo não está propriamente relacionado com a abertura da economia, mas sim - e como os autores escrevem numa caixa - com a localização das empresas que comandam a cadeia de valor acrescentado.
A insistência neste rácio Exportações/VAB (que aparentemente deveria ser alto) também é um pouco estranha, exactamente por esta última razão. Temos por exemplo valores como 200% para a Dinamarca. Se a produção nacional for muito baixa (que deve ser o caso da Dinamarca) uma pequena variação nas exportações tem um enorme impacto neste rácio. Aliás, tanto Espanha como a Itália - com fortes sectores têxteis - têm valores ainda mais baixos que Portugal!
Chega. A única boa notícia é que aqui não temos títulos sensacionalistas que não são minimamente sustentados pelo texto... mas talvez isso se deva à ausência de conclusões....
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2008
Por que razão na primeira página do Público se diz: "Funcionários públicos a caminho do nono ano a perder poder de compra" e na página 6: "Taxa de risco de pobreza baixou no país pelo terceiro ano consecutivo"
Vou partir do princípio que o Público não está a fazer campanha contra o Governo. Então o que é que está por trás das notícias más virem na primeira página e as boas escondidas lá para dentro?
Critérios comerciais?
Será que as notícias são tratadas como "produtos" que devem atingir um mercado alvo? Se for assim, se o Público fez bem o estudo de mercado, deve ter concluído que há uma apetência dos portugueses, ou pelo menos de um segmento significativo dos leitores, para as notícias más. Estas fazem vender mais jornais!
Ou será que um título deve ser considerado como uma dimensão acessória do "produto"? Uma espécie de "embalagem" que tem por função atraír o cliente, prender-lhe a atenção? Mas lá vamos dar ao mesmo: somos todos masoquistas! Ou, porque também gostamos de ver os outros sofrer, seremos sádicos?
Nenhuma das hipóteses me traz tranquilidade.
E, no meio disto tudo onde entra o dever do jornalista nos informar?
É exagero meu, ou o código deontológico dos jornalistas que contém disposições como "O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão" e "O jornalista deve combater o sensacionalismo " ficou tapado com o Plano de Marketing?
Uma pérola do rigor jornalístico:
Título: "
Inflação: Governos falham meta pelo 10º ano consecutivo"Subtítulo: " O Governo português voltou este ano a falhar a meta de inflação, completando, pelo menos, 10 anos de erros nas previsões"Texto: "em todos esses anos, com
excepção para 2006"
Uhm... O Porto também foi campeão consecutivamente nos últimos 20 anos, em todos os 20.. mas houve excepções pelo meio.Curiosamente esta excepção de 2006 contraria esta
tabela, retirada do CM. O problema está nos imensos significados que a palavra inflação pode ter. Nem o próprio governo se decide usando no OE2006 a variação média anual do deflator do consumo privado, e no OE2008 a variação média anual do IPC.
Usando esta última medida, então 2006
não foi excepção, porque a inflação média observada foi de 3,1%.
Hoje (16 Janeiro) o Público publica um gráfico que mostra que os funcionários públicos perderam "poder de compra" consecutivamente nos últimos 9 anos. No
post anterior referi-me a uma afirmação semelhante - e aparentemente errada - de Menezes. É que o Público refere-se apenas aos funcionários públicos e Menezes referia-se a todos os trabalhadores. A fazer fé nos dados do Público - e como já mostrámos aqui tanta vez, é mesmo uma questão de fé - é inteiramente verdade que os funcionários públicos perderam constantemente "poder de compra" ao longo de 9 anos (em termos médios e não em termos individuais, já que individualmente pode haver subidas de escalão que levam a aumentos dos rendimentos, o que não seria muito sério fazer).
Sendo que "poder de compra" significa
desta vez salário bruto real. Também não será o melhor indicador de "poder de compra dos trabalhadores", deixando de fora variações de impostos, subsídios, etc... mas enfim é melhor que o PIB per capita real.
Já agora, um erro que ouvi/li hoje repetidamente. O facto de os governos aldrabarem sucessivamente na inflação esperada, sempre com "estimativas" abaixo da realidade, não implica de modo nenhum que os salários reais desçam! Isto porque na maioria dos anos, o aumento médio dos salários não coincide com a inflação "
prevista". Houve anos que foi acima, outros que foi abaixo. Foi sim, sempre abaixo da inflação
registada na prática.
Terça-feira, 15 de Janeiro de 2008
Menezes
refere-se hoje a dois estranhíssimos períodos de "mau" comportamento da nossa economia. Fala em
1. "
nove anos de perda de poder de compra"
2. "
11 anos em divergência com a União Europeia" em termos de crescimento económico.
1. Como já aqui escrevi várias vezes, nas estatísticas económicas não existem o conceito de "poder de compra". Tentando imaginar o que passa dentro da cabeça de Menezes, verifiquei vários indíces (PIB per capita, salário real líquido, salário real bruto, indíce de custos salariais, etc...) e
nenhum deles segue em queda há 9 anos. Fico à espera que Menezes nos esclareça, porque afirmações assim no vazio valem zero. Aliás, valem menos que zero.
2. Bom, aqui é mais fácil, só que segundo o Eurostat Portugal
aproximou-se da média comunitária (em termos de PIB per capita em PPC) a 27 de 96 para 97, de 97 para 98, de 98 para 99, e de 2004 para 2005 e manteve-se de 2000 para 2001, e de 2002 para 2003.
Adenda: Inexplicavalmente o Correio da Manhã dá esta notícia o seguinte título: "
Portugueses perdem poder de compra" sem mais!
Há um erro constantemente repetido em artigos sobre ciência que é a má distinção entre
descobrir e
inventar. Segundo o dicionário inventar significa "criar no pensamento", "ser o primeiro a ter a ideia de", enquanto descobrir significa
"achar, encontrar (coisa desconhecida)". Os médicos
não inventam novas estirpes de doenças (bom, talvez alguns laboratórios genéticos o façam) e
não descobrem novos métodos de tratamento (não andam a passear e descobrem um tratamento no chão).
Hoje no
Público online fala-nos sobre "
uma descoberta publicada pela Nature Medicine poderá finalmente permitir o fabrico de órgãos artificiais para transplantes". Até poderia ser uma descoberta que tivesse facilitado este fabrico, mas mais à frente temos uma citação que diz "
O que fizemos foi simplesmente pegar nos tijolos de construção da própria natureza para construir um novo órgão"... ou seja trata-se de uma invenção de um novo método de "engenharia de tecidos".
Segunda-feira, 14 de Janeiro de 2008
Leio no Record que um tal de Sepsi já foi oficialmente apresentado como jogador do Benfica, ou, melhor, como "reforço" do Benfica, e que "nos próximos cinco anos e meio vai vestir a camisola 33". Existe há muito na comunicação social portuguesa, sobretudo na da especialidade, o estranho hábito de chamar "reforço" a todo o futebolista recém-contratado. Pode não valer ponta dum corno, é reforço. Pode chamar-se Laurent Robert, Paredes ou Bergessio, é reforço. Até podia ser eu, era reforço. Do alto da minha ingenuidade, pensava que reforço era qualquer coisa que, vá lá... reforçava. Pelo menos é o que diz o dicionário. Só não percebo é a razão pela qual o Benfica, que enche o carrinho de "reforços" logo que abrem os saldos (para se juntarem a outros que outrora terão sido também "reforços"), nunca parece reforçado.
A de "vestir a camisola 33 por cinco anos e meio" também é clássica. Assim como estamos fartíssimos de ler: "de águia ao peito por quatro épocas" ou "de encarnado nas próximas três temporadas". Ou seja, quem escreve estas frases (normalmente na capa dos desportivos) pensa que o jogador (ou melhor, o "reforço") chega, joga (ou não) durante o prazo estipulado, acaba o contrato e vai embora. Será que ainda não perceberam que isso é coisa rara nos tempos que correm, que a grande maioria dos jogadores não cumpre integralmente o contrato original? Muito antes disso, ou são vendidos, ou são emprestados, ou são dispensados e rescindem o contrato amigavelmente... Agora, chegar, assinar contrato, cumpri-lo e ir embora, só mesmo se for... reforço.