Quinta-feira, 27 de Março de 2008
Cai um andaime algures em Oeiras e alguns carros (17, segundo consta) sofrem estragos. O que é que escreve o DN na capa? "Andaime cai e atira 17 carros para a sucata". Mais nada.
Terça-feira, 25 de Março de 2008
No noticiário de hoje à hora do almoço passa em rodapé: "Polo Norte vai desaparecer no ano 2015".
E depois diz o locutor: Devido ao aquecimento global, o Polo Norte vai derreter no ano 2015"
Domingo, 16 de Março de 2008
O inevitável José Rodrigues dos Santos diz-nos no Telejornal de sexta-feira: "Os preços em Portugal mantiveram-se inalterados em Fevereiro, (...) a taxa de inflação homóloga manteve-se nos 2.9%". Alguém explica ao nosso José, e já agora aos demais jornalistas da RTP, que uma taxa de inflação positiva, mesmo que inalterada, implica sempre uma subida de preços? Pronto, explico eu. José, a taxa de inflação mede a variação percentual do nível de preços. Portanto, se o nível preços for 1 em dois anos consecutivos, então a taxa de inflação é zero. Se no segundo ano o nível de preços tiver descido para 0.9, então dizemos que a taxa de inflação foi de -10%. E se tiver subido para 1.1, então podemos dizer que a taxa de inflação foi de 10%. Eu sei que é difícil, mas agora podemos pensar ao contrário; se a taxa de inflação foi positiva, então o nível de preços teve obrigatoriamente de ter subido. Percebeste? Pronto, agora estuda bem isto antes de apresentares o próximo Telejornal.
O Telejornal de sexta-feira abre com a discrepância dos números da greve da função pública. Segundo José Rodrigues dos Santos, enquanto os sindicatos apontavam uma adesão na ordem dos 70%, o Governo estimava uns meros 5%. Mais à frente na peça, suficientemente à frente para os telespectadores se terem esquecido deste número, e após a entrevista ao Secretário de Estado da Administração Pública, ficamos a saber que o Governo afinal estimava uma adesão de 8,5%. Os 5% deverão ter vindo da diferença para 100% dos 95% de serviços públicos que, segundo o Governo, estiveram encerrados devido à greve. Cheguei a pensar que a RTP não soubesse a diferença entre adesão à greve e serviços encerrados, mas o repórter deixou bem claro na sua última intervenção que a adesão estimada pelo Governo rondava os 8,5%. Restam duas hipóteses: ou a RTP não sabe que 5 e 8,5 são números diferentes, ou sabe mas considera que a diferença é suficientemente pequena para os telespectadores não darem por ela e suficientemente grande para compensar em termos de impacto mediático. Pessoalmente, não descarto de todo a primeira, mas inclino-me mais para a segunda.
Terça-feira, 11 de Março de 2008
Segunda-feira, 10 de Março de 2008
Há cada vez mais queixas na Saúde, diz a SIC. Em letra mais pequenas: É um aumento de 476%, quase cinco vezes mais, em relação a 2006.
Não, não são dados de um estudo.
Trata-se apenas do número de queixas apresentadas à ERS, que subiu. Não se trata nem do número total de queixas, nem sequer envolve queixas que tenham passado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Se no seu geral as queixas (formais ou não) subiram ou desceram não faço a mínima ideia... mas a SIC também não saberá de certeza.
Ah, e resta acrescentar que a ERS começou a funcionar em... 2006! Se não tivesse havido um aumento em 2007 é que seria de estranhar!
Adenda graças do Pedro Bom:
Também gostei muito da parte dos 476%, que supostamente resulta em quase "cinco vezes mais" do que em 2006. Como é "quase 500%", é "quase 5 vezes mais", assim como se fosse "quase 100%" seria "quase uma 1 vez mais"... Não, não é quase 5 vezes mais, é MAIS do que 5 vezes mais, é quase 6 vezes mais! Se mete percentagens...
Adenda minha:
Impressionante como um artigo com umas 10 frases tem tanto disparate. Mais outro: "Os portugueses estão cada vez mais descontentes com o Sistema Nacional de Saúde." Como já escrevi em cima isto é uma generalização abusiva, porque estamos a falar de uma fracção das queixas, e acrescento porque mais queixas formalizadas não implica mais descontentamento. Mas o curioso é outra frase a seguir "A maioria dos protestos dirige-se aos privados, com 78% das queixas." Ui! É cá um descontentamento com o serviço público, que não te falo!
Acaba de sair uma nota do INE sobre o comércio externo português. De 2006 para 2007 as exportações para a UE subiram mais que as importações, as exportações extra-comunitárias também subiram mais que as importações, e por conseguinte a taxa de cobertura (percentagem do que compramos que é "compensado" por vendas nossas, ou seja exportações/importações*100) também subiu.
Tudo boas notícias, mas o que é o Diário Digital escreve?
Título: Défice comercial português agravou-se 4,12% em 2007
Parágrafo em destaque:O défice comercial português ascendeu a 19.356,2 milhões de euros no ano passado, um agravamento de 4,12% face a 2006, informa esta segunda-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE).
A informação está correcta, é possível a taxa de cobertura melhorar e o saldo piorar, mas quando isso acontece devemos dar atenção à primeira, não ao segundo. Isto por uma razão muito simples, a variação da primeira diz-nos se estamos numa trajectória sustentável (se caminhamos para a bancarrota ou não), mas a segunda não dá informação nenhuma.
E não se julgue que sou apenas eu. Nem se julgue que o jornalista fez copy-paste sem pensar mais no assunto. O próprio comunicado da INE destaca a variação da taxa de cobertura na primeira página, e nunca refere a variação do saldo ao longo de oito páginas! Foi o próprio jornalista que depois de ler o texto do INE, se deu ao trabalho de ir caçar um mau resultado aos quadros e foi calcular aqueles 4,12%.
Dito de outro modo, se aqueles 4,12% são tão significativos como o jornalista nos quer fazer crer, porque é que eles nem constam do comunicado de oito páginas?
Domingo, 9 de Março de 2008
Denoto pelas bandas do CM alguma falta de coragem para coisas de homem. Se é para aldrabar as pessoas em letras gigantescas na primeira página, então que se aldrabe à grande, caso contrário não vale a pena! O CM diz na capa de hoje "Função Pública perde 3,7 mil milhões - rombo nos salário este ano".
Querem ver eu a mandar uma de homem?
"Função Pública perde 8 triliões de biliões de milhões de quatraliões".
Ora toma!
Eu nem me vou dar ao trabalho de ler os disparates que o CM escreve, apenas vou dar um número: 21 mil e 164 milhões é o custo das despesas de pessoal de toda a função pública. Os 3,7 que o CM refere são portanto 17,5%. Alguém conhece um funcionário público que tenha perdido 17,5% da sua remuneração?
Adenda: Em mais uma prova que para os jornalistas "todos somos iguais, mas há uns que são mais iguais do que outros" e "viva a liberdade de opinião, desde que seja a minha", o meu comentário na página da CM sobre a notícia não foi "aprovado" para constar no meio dos outros.
Sábado, 8 de Março de 2008
Eu e o Miguel interrogávamo-nos esta tarde sobre a razão pela qual a comunicação social trata os resultados de estudos científicos com uma certeza e um determinismo que não são sequer reclamados pelos próprios autores desses estudos. Exemplo recente: o estudo que contestou a eficácia do Prozac no tratamento de doenças do foro psíquico. Se diz que não faz nada é porque nada faz, ponto final. Certo? Errado. Ninguém se lembra que, antes desse, outros estudos foram feitos, com conclusões diferentes, e outros virão com conclusões também diferentes. Quem tem algum conhecimento de estatística percebe que uma coisa chamada "erro amostral " impede que possam ser tiradas conclusões determinísticas em estudos estatísticos. Existe sempre alguma aleatoriedade inerente ao processo de amostragem e, por conseguinte, os resultados vêm sempre na forma de intervalo de confiança, ou algo equivalente. Aliás, este estudo sobre o Prozac consiste na combinação de resultados de outros estudos - todos eles diferentes - para tentar precisamente diminuir esse intervalo de confiança e chegar a resultados mais precisos (mas, ainda assim, meramente probabilísticos).
Vem isto a propósito do artigo do João Silvestre (JS) no caderno de economia do Expresso de hoje, onde nos fala de um estudo elaborado por Miguel St. Aubyn e António Afonso sobre os efeitos do investimento público no PIB real e no investimento privado, em 17 países da OCDE - incluindo Portugal. Escreve ele, logo na capa, que "o investimento público compensa". Não sei se compensa ou não, mas não só os autores do estudo não o dizem como nem sequer os resultados o permitem concluir. O verbo "compensar" comporta em si demasiadas dimensões (incluindo a social) e compensa ser cientificamente prudente. Se é ao retorno meramente económico que JS se refere, pois bem, os números do estudo dizem que até é negativo no longo prazo: 1 euro investido publicamente não chega a ser totalmente recuperado - o que acontece, aliás, com metade dos países analisados.
Depois, diz-nos que o estudo conclui que Portugal é o país dos quinze da UE (antes do alargamento) onde o efeito do investimento público no PIB e no investimento privado é maior. Primeiro, não são quinze, são catorze - o Luxemburgo não foi incluído. JS sabe disso e até o diz no texto, mas nada remove os "quinze" do subtítulo. Segundo, li e reli as conclusões do estudo e não encontrei essa tal. E não está lá porque os autores sabem que não o podem dizer. E não o podem dizer porque sabem que as estimativas a que chegaram são meramente probabilísticas. Embora as estimativas apontem nesse sentido, as amostras são muito pequenas, a aleatoriedade é muito grande e, portanto, é melhor ser prudente.
Aliás, não é preciso sequer passar do sumário executivo para ler o seguinte alerta dos autores, e cito (tradução minha): "Estes efeitos correspondem a estimativas pontuais e a sua interpretação tem de ser cuidadosa, pois os intervalos de confiança a 95 por cento incluem o valor zero em todos casos". Ou seja, nem sequer é líquido que exista um efeito positivo do investimento público sobre o PIB, quanto mais ser o maior dos catorze. JS prefere ignorar a advertência, é muita prudência para a sua camioneta, e certezas inabaláveis serão com certeza jornalisticamente mais convenientes. Em ciência todo o cuidado é pouco, em jornalismo nenhum cuidado é muito.
[Adenda: Ainda assim, parabéns ao JS por procurar e divulgar literatura económica que doutro modo não chegaria ao conhecimento da generalidade do público, ao contrário do estudo do Prozac, que fez um furor desmesurado por tudo o que é jornal]
Por este
artigo, que a Fernanda Câncio escreveu. Afinal há jornalistas que tratam o assunto
aqui debatido com rigor