Quarta-feira, 30 de Abril de 2008
Alguém me explica o que quer dizer esta coisa, e qual o seu interesse, dos combustíveis já terem "subido 14 vezes desde o início do ano"? Já ouvi/li isto nos media tanta vez nos últimos dias, mas algo me passa ao lado.
1. Os preços estão liberalizados. Cada revendedor mexe nos preços como quiser. Uns devem ter subido 40 vezes, outros devem ter subido 2. O 14 vem de onde?
2. O que é isto interessa? 50 subidas acumuladas podem ser muito menores que uma única subida. Contá-las só serve para sensacionalismo, para dar um número grande. (Eu acredito que o aumento do preço médio até tenha sido enorme, mas isto parece totalmente irrelevante para os jornalistas, que só falam no 14).
Terça-feira, 29 de Abril de 2008
"Preço da comida na Europa sobe 39% este ano" diz o Diário Económico na capa.
1. A tal subida é medida em dólares não em euros. Até ontem o Pingo Doce aqui do bairro só aceitava pagamentos em euros (pode ser que tenha mudado), e dada a constante desvalorização do dólar, não é correcto falar deste valor para a Europa.
2. Este valores nem sequer são valores na Europa, mas nos mercados internacionais.
3. Por enquanto os consumidores europeus ainda não vão comprar comida nos mercados financeiros, e comê-los nos contentores dos navios, logo é um disparate autêntico confundir preços de produtos alimentares negociados nos mercados internacionais com comida daquela que compramos no supermercado, tal como faz aquele título ao usar explicitamente a palavra comida. E isto é especialmente importante, porque um aumento de 39% na matéria-prima não implica de maneira nenhuma um aumento da mesma ordem nos preços ao consumidor, porque há muitos outros factores com um peso bem maior a determinar o preço final. Ou seja, aqueles 39% só servem para sensacionalismo à tablóide .
música: sensacionalismo, Diário Económico, economia, preços
"Economia vai continuar a perder força em 2009, diz Bruxelas" diz o Público na
capa. Eu não sei o que é isso de perder força, mas quando Bruxelas diz que a economia vai crescer este ano e depois sem sombra de dúvida, fico bem curioso para conhecer melhor a
força.
Outro ponto engraçado - e isto aplica-se tantos aos profetas da desgraça, como aos da bonança - é o destaque todo andar à volta da discussão de uma ou duas décimas de ponto percentual numa previsão, quando as previsões tem margens de erro bem maiores.
Nota: como sempre não estou a querer dizer que há boas ou más novidades, nem as quero sequer comentar. Quero apenas notar a discrepância entre o que o Público escreve e a verdade. Poderia ter escrito por exemplo "Economia continua com crescimento fraco até 2009 segundo Bruxelas", mas não o faz...
Segunda-feira, 28 de Abril de 2008
José Sócrates dizia há pouco que o seu governo tinha reduzido o défice de 6,8% para 2,?%. Só que estes 6,8% eram uma projecção para o futuro! Ou seja não só não são números reais, como nunca poderiam corresponder ao défice que "recebeu", porque era uma projecção para Dezembro de 2005 (no cenário de nada ser feito para contrariar este défice) e o governo entrou em funções em Março de 2005!
Também na edição de 25 de Abril, temos um artigo duvidoso sob o título "País sujeito à escalada de preços. Consumo per capita tem caído em Portugal".
1. O texto nunca o faz explicitamente, mas o título associa o aumento de preços com a queda do consumo. Não há contudo uma única indicação da veracidade desta causalidade. O que não faltam são exemplos de produtos cujo consumo sobe/desde, quando o seu preço sobe/desce. Mais curioso é que é dado a entender que a subida de preços é algo recente, mas quando se fala em queda de consumo fala-se numa tendência da última década!
2. Para justificar a afirmação acerca da tendência da queda do consumo, é apenas dado um facto: o consumo em 2006 foi o mais baixo desde 1997. Ora isto não mostra tendência nenhuma.
Notícia de 25 de Abril no Público a propósito da nova possibilidade de esticar os empréstimos para habitação por 50 anos. Para lá de um português sofrível ("Governo aceita que novo bonificado prejudica famílias" aceita que penaliza? e "Aumento do prazo implica diminuição ou mesmo saída do regime".. diminuição do quê?), esta notícia mostra uma deontologia jornalística reprovável: as acusações são repetidas de modo simplistas inúmeras vezes (na capa, contra-capa e no interior), antes de o leitor ser esclarecido sobre os factos que estão por detrás delas.
Mentira 1: Novo regime penaliza as famílias Apesar de repetida 3 vezes na capa, uma vez na contra-capa e 2 no interior (quando se repete tanta vez a mesma frase, fica logo à vista a fiabilidade de tal afirmação), é um absurdo dizer que as famílias são penalizadas. As possibilidades antigas mantêm-se e há a introdução de uma nova. Se as hipóteses de escolha aumentam, como é que há penalização? A Rosa Soares que vá tentar convencer um miúdo que escolher entre bolo de chocolate e pudim, é pior que escolher entre bolo de chocolate, pudim e leite creme e depois conversamos.
Mentira 2: Aumenta pagamento de juros A ignorância que a Rosa mostra dos conceitos de contabilidade mais básicos até daria para rir, se não fosse triste. Qualquer pessoa que ligue para a Cofidis, sabe que pagar "mais devagar" implica pagar mais no total. Dito de outro modo, é óbvio para todos (menos para a Rosa) que devolver a verba de um empréstimo passado um mês ou 10 anos não pode ser a mesma coisa em termos de pagamento de juros, tal como deixar dinheiro numa conta a prazo por 1 ou por 10 anos tem rendimentos diferentes. Confundir isto com aumento dos juros, ou é burrice ou uma aldrabice maldosa.
Mentira 3: Há redução da comparticipação por parte do Estado
Esta também é repetida 5 vezes, inclusive com uma insinuação barata em letras gordas que diz "
Estado poupa", antes do esclarecimento do que está por detrás. Embora o texto seja confuso (ou talvez me faltem capacidades de o perceber), há uma afirmação do ministro que não é desmentida: o novo regime é financeiramente neutral para o Estado! Ou seja como o empréstimo demora mais anos, o Estado passa a pagar o mesmo mas durante um período maior. Se o Estado pagasse o mesmo durante mais tempo, a Rosa talvez lá dissesse que a comparticipação se manteria, mas até um miúdo sabe que 10x30 é menos de 10x50.
Há um afirmação da DECO que é contudo verdadeira: por esticar a comparticipação por mais anos, as comparticipações a fazer no imediato pelo Estado passam a ser menores - o que até alivia as contas, mas apenas momentaneamente. Confundir isto com poupança ou é burrice ou aldrabice.
Mentira 4: O Estado reconhece que penaliza A Rosa bem pode repetir isto várias vezes, que um esclarecimento por parte do Estado sobre declarações anteriores - que coincide com o que a DECO chamou "o pior cenário" - não o torna num reconhecimento do que quer que seja. Sublinho: não há uma única citação do Governo onde se reconheça uma "penalização", apenas uma coincidência entre críticas da DECO e os esclarecimentos. E quem não se ficar pelo título na capa "
reconhecido que novo regime penaliza famílias", percebe que é este o caso. Por afirmações suas na boca dos outros é vergonhoso.
No 25 de Abril a Rita Marrafa de Carvalho da RTP andou de microfone em punho a entrevistar vários jovens, a propósito do estudo realizado pela UCP a pedido de Cavaco Silva sobre o desconhecimentos dos jovens no que toca à História Nacional. Perguntava então a Rita aos jovens "
quem foi o primeiro Presidente da República eleito democraticamente", e ao encolher de ombros, esclarecia ela "
foi Ramalho Eanes!".
Que a Rita soubesse o mínimo de História de Portugal, eu também já não contava (o Presidente bem poderia encomendar outro estudo...), agora que nem se desse ao trabalho de num minuto ler o que a
Wikipedia tem a dizer sobre os Presidentes da República, é que já é falta de profissionalismo... É que se o tivesse feito ficaria a saber o que foi o 5 de Outubro, o que foi a Primeira República e que o primeiro Presidente da República eleito foi sim Manuel José de Arriaga.
Nota: O estudo continha a pergunta "qual foi o primeiro Presidente da República eleito
depois do 25 de Abril?".
Quinta-feira, 24 de Abril de 2008
Título no "Público" de hoje:
"Apesar das fortes chuvadas dos últimos dias, o caudal de água da barragem do Alqueva está abaixo do nível de 2007"
O senhor que escreveu isto confunde alegremente caudal com capacidade de armazenagem, pois usa indiscriminadamente, ao longo do texto, os dois termos em alternância.
Não é um erro grave, daqueles que podem inflenciar a opinião dos leitores, mas não é assim que se fala bom português, e- caramba! - o senhor jornalista deve pelo menos ter o 12º ano....
Se detestou a física, compre o Dicionário da Academia, porque lá vem bem explicado que caudal significa: débito fluvial, quantidade de líquido que atravessa durante uma unidade de tempo uma dada secção.
Segunda-feira, 21 de Abril de 2008
Não compreendo esta obsessão por percentagens...
Défice do subsector Estado baixa 32% até Março diz o DD.
Ena 32%! Que redução brutal!
Até pode ter sido, mas os 32% pouco nos informam. Se o défice se tivesse reduzido de um milhão para 900 mil, teria sido uma redução de apenas 10%. Mas se tivesse descido 10€ para 5€, seria uma redução de 50%! E acho que não preciso de explicar que o primeiro é mais difícil de alcançar. Aliás, à medida que o défice se for aproximando do zero, cada vez teremos percentagens destas mais fantásticas, que em nada indicam uma boa execução orçamental.
(O próprio comunicado da Direcção-Geral do Orçamento não refere os 32%... mas dá mais estilo dar notícias com percentagens).
Para o artista que escreveu os 32%, aqui fica a minha sugestão: apresentar o peso desse corte no total das despesas do subsector Estado. Se for 0,01% é um resultado irrelevante. Se for 2% parece-me excelente.
"Os mais pobres sofrem mais com a inflação." diz a capa do Público de hoje em letras gordas. Ainda na capa "As famílias portuguesas com rendimentos mais baixos são as que mais estão a sentir os efeitos da inflação, conclui um relatório do INE."
Lá dentro temos a bela e elucidativa frase "Cálculos feitos pelo PÚBLICO...". Aah! Ficamos a saber que o próprio jornalista parece reconhecer que a credibilidade do Público anda pelas ruas da amargura, ao ponto de necessitar de mentir quanto à origem do estudo na capa, para que alguém dê alguma credibilidade ao que escreve. O facto de os dados usados serem baseados num relatório do INE, não dá o direito ao Público de dizer que as conclusões são do INE. Para lá desta mentira, há ainda a questão de saber se o INE teria tantas certezas como o Público parece ter.
Antes de mais um fenómeno paranormal nos resultados do Sérgio Aníbal, que lhe deveria ter saltado à vista. TODAS as classes de rendimento sofreram, segundo ele, inflações iguais ou acima da inflação! Ou seja teremos a média (feita sobre os rendimentos) acima da média. Algo com a média de 10, 9, 8, 7, 6 e 5 ser... 5! O que já mostra que as suas contas estão certamente erradas*.
Apesar de ter que reconhecer que o Sérgio Aníbal se deu ao trabalho de fazer algo que provavelmente poucos fariam, não se pode tirar as conclusões que ele tira. Mais uma vez e bem, ele próprio reconhece isso dizendo "a análise feita pelo PÚBLICO não leva em conta esse nível de desagregação da despesa familiar..." mas logo a seguir estraga tudo mostrando bem o seu facciosismo, quando diz "ainda poderia acentuar as disparidades do impacto da inflação sobre os diferentes tipos de famílias". Dou-lhe razão, mas não há razão nenhuma para acreditar que seja para cima ou para baixo. Porque será que não escreveu o oposto, que poderia diminuir e até inverter as disparidades do impacto da inflação? Não dava jeito. Como exemplo posso indicar os legumes que desceram 15%, o que mostra o quão difícil é tirar o tipo de conclusões que o Sérgio quer tirar, com os poucos dados disponíveis que existem.
Outro aspecto que mostra o quão forçadas são as suas conclusões, é o facto de ele chegar ao valor de 3,1% de inflação para as famílias ricas e 3,6% para as pobres. A diferença é ridiculamente baixa e insignificante dados os problemas de agregação. Mais, esta pequeníssima diferença que foi medida em Março (0.5 pp) pode pura e simplesmente inverter-se em Abril, já que a inflação dentro de cada classe de produtos é altamente volátil (com variações de mais de 1pp de mês para mês em termos anuais).
Por último, e esta crítica estende-se a TODOS os jornalistas, que dizem que os "bens essenciais" têm subido acima da inflação. É preciso ter muito cuidado com o nível de agregação. Primeiro - e como já disse - termos alimentação a subir, pode dever-se aos caviares e às patas negras, logo é complicado chamar "bem essencial" à classe alimentação. Segundo, a este nível grande parte das classes são bens essenciais!! Descontando 5 das 12 classes, temos Alimentação, Vestuário, Habitação, Produtos correntes para a Habitação, Saúde, Transportes, Educação, que julgo serem todos "bens essenciais". Pois bem, três delas estão abaixo da inflação. É sempre fácil pegar na que subiu mais destas sete (estatisticamente haverá uma acima da inflação, em 99,99999% dos casos) e em tom sensacionalista clamar bem alto que os "bens essenciais" sobem acima da inflação.
*Entretanto percebi de onde vem este erro. O Sérgio mistura cabazes do Inquérito às famílias com os do IPC. Ou seja para calcular quanto é que uma família rica gasta em alimentação usa o primeiro estudo, mas para calcular quanto é que família paga agora a mais pela alimentação usa o segundo estudo. Como os cabazes não coincidem, a média do primeiro não coincide com a do segundo. Mais uma razão, para não dar qualquer credibilidade a isto...