1. A principal notícia da capa do Público de ontem, bem como o habitual espaço de destaque (página 2 e 3) são afinal baseados em... "estimativas informais" do Público. Os títulos contudo estão cheios de certezas.
Queda na procura de combustíveis trava aumento da receita do IVA, diz o título.
Efeito da subida dos preços contrariada pela redução do consumo de gasolina, reza o subtítulo. Só no texto da capa é que se lê "pode ter provocado".
No título e subtítulo interior a mesma certeza. Só no meio do texto e nas letrinhas pequeninas da legenda dos seis gráficos e duas tabelas é que ficamos a saber que estamos a falar de "estimativas informais". Dois terços dos dados nos gráficos e tabelas são números "estimados informalmente", sendo tratados tal e qual como os dados oficiais. (Lurdes Ferreira tem a humildade de reconhecer esta fragilidade... mas no meio do texto. O que se retêm é obviamente o título.)
Eu até poderia estimar informalmente que o PIB vai descer ou crescer 10%, mas por alguma razão não o faço.
Isto não é jornalismo, é conversa de café.
2. Na página três lê-se nas letras gordas Famílias pobres são as que mais sofrem com a subida dos preços dos combustíveis. Ora quando se olha para o gráfico vê-se um escalão de rendimentos onde o impacto é maior do que no escalão mais pobre, e dois escalões empatados. Só há três escalões que se diferenciam dos restantes 7. O título é portanto enganador, bastando a letrinha D antes do artigo "as" para o tornar verdadeiro. Caiu provavelmente.
Quando verificamos o próprio gráfico (e o texto) percebemos que o título também é enganador quando fala em combustíveis, já que todos os dados estão relacionados com consumo de energia em geral (electricidade, gás). Claro que os preços da energia estão correlacionados com o preço do crude (e não com o dos combustíveis), mas se vamos por aqui, todos os produtos estarão correlacionados.
Não há portanto cuidado com o nível de agregação dos dados, porque mete transporte privado, transporte público, gás e electricidade tudo no mesmo saco. Cada categoria de produtos tem obviamente aumentos diferentes e tem pesos diferentes em cada uma das classes de rendimento. A conclusão tirada é portanto muito abusiva. Até se pode dar o caso de os resultados se inverterem se retirarmos o gás e a electricidade!
Nota habitual: não estou a afirmar que as informações estão erradas, apenas que não há aqui nada que permita ao Público chegar a esta conclusão.
Segundo o Banco de Portugal, a dívida das famílias terá atingido no ano passado 129% do seu rendimento disponível, o que legitima o DN a escrever na capa da edição de hoje "Famílias gastam um terço a mais daquilo que ganham", certo? Errado!
Não, não me estou a referir ao facto de 29 não chegar a ser um terço de 100. Interessa-me antes notar aqui a confusão habitual entre variáveis 'stock' e variáveis 'fluxo', à semelhança do que o Óscar escreveu aqui a respeito de outros assuntos. Os 129% significam que a dívida total das famílias é 1.29 vezes superior ao seu rendimento disponível (ou seja, após impostos) anual. Mas 'dívida' é uma variável de stock, ou seja, é uma acumulação de défices ao longo do tempo. E 'despesa', como o DN refere na capa ("famílias gastam (...)"), é uma variável de fluxo, que ocorre num determinado período de tempo, ou seja, é o 'défice' dum determinado período. E estas duas coisas são obviamente diferentes: uma é a acumulação da outra.
Exemplo: Se eu gasto todos os anos 113 e o meu rendimento disponível anual é de apenas 100, então o meu orçamento terá um défice de 13 que terá de ser financiado com recurso a empréstimo. Se o meu rendimento e a minha despesa se mantiverem constantes e ignorarmos inflação e taxas de juro, ao fim de 10 anos eu terei uma dívida total acumulada de 130 (13 por ano). Vem o Banco de Portugal e diz que a minha dívida total é 130% do meu rendimento disponível, e estará cheio de razão: acumulei uma dívida de 130 e só recebo 100 por ano. E vem logo a seguir o DN e escreve na capa que eu gasto "mais um terço daquilo que ganho", certo? Errado: eu gasto apenas 13% mais daquilo que ganho.
Na notícia que o Pedro refere aqui, é dito a certa altura que "a fuga das poupanças de muitos portugueses de fundos de investimento e produtos estruturados para os tradicionais depósitos continua a ser uma realidade. Em Março, o total de dinheiro aplicado em depósitos tradicionais na banca a operar em Portugal ascendia a 102,3 mil milhões de euros, mais 11% do que em igual mês do ano passado."
Paula Cordeiro apenas mostra que os depósitos subiram, mas não resistiu a concluir que esta subida vem da fuga aos fundos de investimento e produtos estruturados... do nada. É que no estatísticas no Banco de Portugal usadas no artigo, não há dados discriminados da posse deste tipo de produtos por parte de particulares! Não lhe passou pela cabeça que a posse deste tipo de título também tenha subido?
Nota habitual a este dois posts: eu não estou a dizer que a conclusão é errada, porque os dados não me o permitem. Tal como não deveriam permitir às jornalistas concluir o que concluíram.
É impressionante a quantidade de vezes que temos jornalistas a tirar conclusões do quase nada, sendo que a conclusão mais fácil e que vende mais é... é a crise. Por que é que não se limitam a informar-nos da realidade?
Vem este comentário a propósito de mais uma capa do Público. O principal texto da capa começa assim: "O aumento anormal dos preços no consumo estão [sic] a levar muitos portugueses a optar pelos supermercados mais baratos (discount) e pelas marcas próprias das grandes cadeias de distribuição (também mais em conta)."
Em lado nenhum é dito de onde vem esta conclusão que Ana Rita Faria se lembra de tirar! O único dado que apresenta é o aumento da quota de mercado dos supermercado discount e dos produtos de marca branca.
Não é possível, por exemplo, que existam agora mais supermercados discount, e que apenas isso esteja por detrás pelo aumento da sua quota de mercado? O mesmo se aplica ao produtos de marca branca. Não pode ter havido uma aposta neste tipo de produto por parte dos supermercados1, o que também explicaria este aumento? Nada que passe pela cabeça da Ana.
1. No supermercado que mais frequento, esta aposta é clara, mas eu não caio no mesmo erro. Não concluo o que me apetece do nada.
Uma vez por mês, o Banco de Portugal (BP) revela informação "qualitativa" sobre o andamento da economia, que sintetiza no que chama "indicadores coincidentes". Uma vez por mês, pelo menos um órgão de comunicação social escreve disparates sobre essa informação. Felizmente, é só uma vez por mês, porque doutra forma não havia pente-fino que resistisse. Vejamos:
Capa do DN: "Consumo das famílias é o mais baixo desde 2003". No interior: "Consumo ao nível mais baixo em 5 anos". E, logo de seguida, para deixar claro que não se trata de meras simplificações de título: "O consumo das famílias caiu em Abril, pelo nono mês consecutivo, atingindo o valor mais baixo em cinco anos, (...) de acordo com os indicadores ontem divulgados pelo Banco de Portugal." Vou aos Indicadores da Conjuntura do BP, publicados ontem, e confirmo: o indicador coincidente do consumo privado (e não "consumo privado", porque para este ainda não há dados) em Abril passado é, de facto, não só negativo mas também o mais baixo desde 2003. E confirmo também o seguinte: lamentavelmente, o jornalista do DN que escreveu este artigo não faz a mínima ideia do que isto significa.
Como já escrevi aqui e aqui, o indicador vem na forma de taxa de variação homóloga. Ter registado o nível mais baixo desde 2003 significa que o crescimento (e não o nível!) do consumo privado foi o mais baixo desde 2003 (aliás, dado que foi negativo, o nível de consumo terá mesmo sido em Abril de 2008 menor do que em Abril de 2007). Só que, desde 2003 até o mês passado, o indicador coincidente foi sempre positivo (com uma provável excepção algures em 2005), pelo que o consumo privado esteve (quase) sempre a crescer.
Para ficar bem claro que o DN não sabe do que fala, temos ainda no parágrafo seguinte: "(...) a actividade económica abrandou, registando o pior valor dos últimos dois anos (Abril 2006)". Mais uma vez, o mesmo disparate, mas agora em relação à actividade económica. No entanto, com a notável agravante de o indicador coincidente da actividade económica ter sido sempre positivo desde 2006! Ou seja, segundo o indicador coincidente do BP, a actividade económica tem melhorado continuamente desde 2006, o que faz de Abril último o... melhor mês desde 2006. Dirão vocês que pode ser o caso do DN não saber a diferença entre "pior" e "melhor". Pois, é verdade, mas eu cá prefiro acreditar que não sabem antes interpretar os dados do BP...
Não perca a continuação deste episódio dentro de um mês.
O presidente da Anarec Augusto Cymbron vem hoje dizer que os preços combustíveis estão altos devido às especulações nos mercados internacionais. Referindo-se a declarações da OPEP, diz que o mercado está maluco. Por isso apela a Cavaco Silva para intervir...
(Eu sou um bocadinho mais altruísta, peço ao Cavaco Silva para acabar com a fome em África, a SIDA e o cancro. Se não der esta semana, que fique para a próxima).
1. O "Sexta" (julgo que vem incluído no Público) diz na capa "Vamos pagar mais portagens em 2011".
As portagens vão subir acima da inflação em 2011? Não!
Vai haver mais estradas onde as portagens vão ser introduzidas? O Sexta também não o diz!
O que acontece é que em 2011 vai haver mais auto-estradas, e as novas são pagas. Tão ridículo como dizer que em 2011 vamos pagar mais pela internet, apenas porque vai haver mais pessoas com internet em casa.
2. A Maria Lopes avança com alguns números estapafúrdios, calculando o preço da portagem por quilómetro fazendo as contas a trajectos muito pequenos (Queluz-Pontinha, por exemplo) cujo preço depende altamente dos arredondamentos. Diz a Maria que o preço médio é 8,5 cêntimos/km e que chega aos 12,3. Eu só calculei um, Lisboa-Porto, com o brisa.pt para o preço e o viamichelin.com para os kms e deu.. 7,1!!
3. A Maria diz ainda em letras gordas que "é mais barato viajar em Espanha e França". Segundo ela os valores por lá são de 7,25 a 13,5. Então, mas Maria, isso parece-me mais alto que os valores que estão acima? A Maria explica no meio do texto (nunca nas letras gordas), "a diferença do poder de compra torna-as mais baratas"! Por esta lógica, tudo é mais caro cá. Spray anti-melgas, graxa para os sapatos, depilações a laser, etc... Ridículo.
1. Pobreza e desigualdades sociais estão a agravar-se em Portugal diz a capa do Público de hoje. Como este jornal de referência já nos tem habituado, não há um único resquício de verdade nos títulos principais. Repare-se no tempo verbal, o jornal não diz que há pobreza ou desigualdade, diz que elas estão a agravar-se.
Pobreza: nas páginas 2 e 3, onde este tema é tratado só há uma única referência à evolução da pobreza... e indica exactamente o contrário. Diz o autor do estudo em causa, que os índices melhoraram de 2004 para 2005. A subida é irrelevante por ser pequena e ser apenas de um ano, mas quem diz que a coisa está a piorar é o Público.
Desigualdade: o título interior apenas diz que Portugal "continua a ser" um país com desigualdades. Houve aqui sim um agravamento, mas de 2000 para 2004! Nós estamos em 2008, e o Público lá saberá porque usa o presente na capa. (Mais uma vez as medidas mais recentes até indicam uma diminuição numa outra medida de desigualdade - mas altamente correlacionada com o índice de Gini - o rácio dos rendimentos do 20º e do 80º percentil, mas a melhoria é insignificante e irrelevante... apenas questiono a atitude do Público).
2. A conclusão sensacionalista que os pasquins gostam de tirar daqui é que "os pobres estão cada vez mais pobres". Não há absolutamente nenhuma razão para que isto seja verdade, quando a desigualdade aumenta. É o que faz o Portugal Diário, que também lá saberá porque usa o presente quando fala de valores de 2004.
3. Correndo o risco de fugir um pouco ao âmbito deste blogue, questiono-me ainda o porquê de nenhum jornal ter notado que o relatório indicava que em 2005 Portugal estava a meio da tabela em termos de proporção da população que não tem capacidade para ter uma refeição razoável em dias consecutivos (estando em melhor situação que a Áustria, a Alemanha, a França e a Inglaterra)? Por que não nos informam que Portugal é o 6º com menos famílias com dívidas em atraso? Por que não notam que Portugal é o 2º país (apenas atrás da Suécia) onde há menos famílias sem capacidade para responder a despesas inesperadas? Sensacionalismo barato.
1. No Público Economia da sexta-feira passada A.R.F. escreve "que o aumento dos preços das matérias-primas e de diversos bens essenciais é um reflexo da crise económica, já todos sabemos". O meu obrigado pela informação, porque eu de facto não sabia mesmo. Curiosamente até estava convencido do contrário, que factores internos aos mercados da petróleo e dos cereais é que estavam na causa (juntamente com o problema financeira causado pelo subrprime) da actual "crise". Julgava eu que a crise é que era um reflexo desses aumentos...
2. Tinha aqui denunciado que a notícia principal da capa do Público de 14 de Abril, afirmava exactamente o oposto à realidade. Aqui contei que o provedor do Público começou por duvidar do próprio estudo que estava na base da notícia, imputando a possível contradição aos autores do estudo e não ao Público. Entretanto recebi (via provedor) a resposta da jornalista, que diz que "o leitor tem carradas de razão", sendo que o título da primeira página não foi da sua autoria.
Resta-me a consolaçãozinha de saber que depois de milhões de pessoas terem lido a capa do Público, a terem visto na internet, na televisão ede ter havido citações da notícia noutros orgãos de comunicação, eu recebi um e-mail pessoal onde era admitido que a notícia era o oposto da verdade. (Ao menos o Público tem um provedor.)
O DN tem hoje na terceira página uma figura colorida com os "aumentos" do custo de vida. Leite subiu x%, o pão y%, a habitação z%, etc... Bem procurei pela página inteira, a fonte e o significado daqueles valores.
São do INE, dum estudo, do Continente? De quando são essas subidas (a legenda só diz "anual")? É uma marca de leite, um tipo específico de leite (como já fez o Expresso), ou o leite em geral? São subidas no preço aos consumidores, aos produtores, nos mercados internacionais (como já fez o Diário Económico)?
Nada, absolutamente nada.
Isto não é jornalismo, é conversa de café.
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