Sempre que leio/oiço que a "Bolsa de Lisboa fechou a cair (...) liderando quedas na Europa" (segundo o Público) e outras frases semelhantes fico sempre de pulga atrás da orelha. Não é que as variações dos índices bolsistas durante um dia tenha algum significado, mas sempre desconfiei que aquela coisa do "lidera nas quedas" cheirava a aldrabice.
E não é que na primeira vez que me lembro de verificar se a tal "liderança" é verdadeira, descubro logo na primeira verificação que é mentira?! Foi só pegar na lista das bolsas da UE, verificar o primeiro país - neste causa a Áustria, a lista estava ordenada alfabeticamente - e observar que o principal índice bolsista austríaco desceu 4,51% enquanto o PSI20 desceu 3,77%.
A inflação é a variação dos preços, não é uma média/índice de preços. Tal como a velocidade é a variação da nossa posição. Eu posso ir a 140km/h e abrandar para os 120km/h que não deixo de me afastar do meu ponto de partida. Assim a inflação pode subir e descer, mas desde que seja positiva, os preços estão sempre a subir.
No Telejornal da RTP de ontem dizia-se "os preços voltaram a subir, atingiram o valor mais elevado desde há dois anos", querendo com isto dizer que há dois anos ainda estavam mais altos. Ora isto não é verdade, em termos homólogos os preços nunca pararam de subir e em termos mensais creio que houve uma ou duas excepções. A taxa de inflação, essa sim, está ao nível mais alto desde há dois anos.
Há dias a capa do Público tinha um sarcástico "Surpresa: os alunos já são bons a Matemática". Ontem no Sexta na capa por cima duma notícia sobre o desconto nos transportes para os jovens, havia um comentário "Boa medida" que reflectia a opinião do jornalista e não a de algum entrevistado como se poderia esperar.
Algo vai mal quando as capas espelham opiniões pessoais de quem as faz de um modo tão explícito.
O Ministério da Educação divulgou ontem que 55.1% [44.9%] dos alunos do 9º ano que fizeram a prova de Matemática obtiveram nota positiva [negativa], o que, segundo o Público, contrasta com os 27.2% de positivas e 72.8% de negativas do ano passado. Lá que contrasta, contrasta. Mas isto não legitima o Público a escrever "Negativas na prova de Matemática do nono ano caem quase 40 por cento num ano". Nem dá o direito ao DN de escrever "Positivas na Matemática do 9º duplicam face a 2007". O Público e o DN referem-se à queda percentual da percentagem de negativas de 38.3% e à subida percentual da percentagem de positivas de 102.6%, respectivamente. Mas isto nada diz sobre a variação de positivas/negativas em termos absolutos, como implícito nos títulos. Para isso, teríamos de ter em conta a variação de alunos inscritos. Claro, no caso de não ter havido alteração do número de examinandos, as variações percentuais absolutas e relativas são equivalentes. Mas houve certamente alteração. A SIC, por exemplo, dizia há algumas semanas que haveria este ano menos 7.201 alunos inscritos para as duas fases, em comparação com o ano passado.
Há dias foram os carros a hidrogénio, esta semana os carros eléctricos. Todos os órgãos de comunicação social que verifiquei chamam-lhes carros "sem emissões poluentes" e outros disparates do género. (O primeiro-ministro junta-se aparentemente ao disparate quando diz que eles estariam hoje totalmente isentos da parte ambiental do IA).
Últimos dados na página da DG Energia e Geologia sobre a origem da produção eléctrica em Portugal (2006): dos 49,0 TWh produzidos 34,6 TWh são de origem termoeléctrica, ou seja combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural)... cuja queima é obviamente uma das maiores fontes de "emissões poluentes".
Também é curioso haver quem diga que o IA seria 30% mais baixo.. e quem diga 70%. O Diário Digital chega a ter as duas versões! "Sócrates quer cortar 30% do imposto no carro eléctrico" e "pagar menos de 30 por cento do actual imposto" ou seja corte de 70%. A verdadeira é a segunda.
"Os portuenses estão cada vez mais pobres", diz a capa d'O Primeiro de Janeiro. O subtítulo repete "o Porto está mais pobre", o parágrafo em destaque insiste "a população é cada vez mais pobre", e o primeiro parágrafo teima "o Porto é uma cidade cada vez mais pobre". Com tanta repetição já era de desconfiar.
Lá para o meio do texto temos a curiosa frase "embora não tenha sido feita a análise da pobreza na cidade". A notícia fala em aumento de desemprego, de desigualdade, e de reformados mas em lado nenhum se explica de onde vem a afirmação de que os portuenses estão mais pobres. Curioso que o relatório em causa, no que toca às tendências de evolução do rendimento tem 4 pontos.. todos eles com "evolução favorável".
Quanto ao tema da moda, aqueles que trabalham mas são pobres, O Primeiro de Janeiro também inventa uma tendência. É a "franja crescente da população", "um fenómeno em ascensão" e ainda sobre os working poor diz que "já não são só os desempregados e os pensionistas que se encontram em situações de vulnerabilidade". Curioso que das três vezes que o relatório refere os working poor, apenas é dito que é uma realidade que deveria ser mais estudada, em lado nenhum é dito se é grande se pequena, se aumentou ou se diminui.
É uma chatice haver quem se dê ao trabalho de verificar as fontes...
Salários portugueses em queda desde 2000, é o principal título na capa do jornal gratuito Global (o tal que admite que "nem toda a informação gratuita vale a pena").
1.Quem desconfia sempre dos títulos e lê palavra-por-palavra o texto por baixo do título, talvez se aperceba que estamos perante mais uma aldrabice, uma das mais reles que por aí anda. O que está em causa é a descida dos salários em comparação com a média, e não em valor absoluto como o título nos quer fazer crer. Para perceber porque chamo reles a esta deturpação imagine-se este título "Todas as economias europeias em recessão desde 2000". Todos sabemos que é um absurdo, mas eu poderia explicar no meio do texto que me estava a referir em valores relativos à economia chinesa. Então de repente tudo já estaria certo e o título seria válido? Para que não haja dúvidas, de 2000 a 2005 o salário português segundo o relatório em causa subiu +0,4% ao ano. (Claro que é muito pouco, mas não é isso que está em causa).
Mas vale a pena ler a frase por baixo do título, ela própria cheia de exemplos da ligeireza com que se faz jornalismo. Os trabalhadores portuguesses [sic] têm vindo a perder poder de compra face ao [sic] 30 países da OCDE.
2. O título fala em salário (real) e o texto em poder de compra. Já aqui expliquei que não há uma relação directa (falta contabilizar subsídios, impostos, etc...), mas o Global usa as duas expressões como se do mesmo se tratasse.
3. "Face aos 30 países". É que a comparação nem está bem feita. Esta frase dá a entender que os outros 30 tiveram aumentos maiores (sendo por isso o português o mais baixo), mas não foi em comparação com os 30 países que o salário português desceu, foi apenas face à média. Para que não haja dúvidas, refira-se Espanha com -0,4%. E sim, -0,4% é menos do que +0,4%. Bastaria ter escrito "face à média", mas não o fizeram.
4. "Face aos 30 países"... bom não são 30. É que não há dados para todos.
5. O relatório apenas dá a média dos anos 2000-2005, e não dos anos separadamente. Não faz assim qualquer sentido dizer que desce desde 2000, porque até poderia ter acontecido uma subida em 2002, 2003, 2004 e 2005 face à média por países, e mesmo assim ter havido uma descida face à média do período em causa.
Com a breca, é erro a mais para duas frases apenas.
Consumo de pão baixa 20%, diz em letras gigantes a capa do Correio da Manhã. Qual será a fonte?
O INE? Não.
O Eurostat? Também não.
Um estudo de mercado? Menos ainda.
Umas das partes interessadas no negócio? Ah, pois claro. A saber a Associação do Comércio e Indústria da Panificação, que já nos tem habituado a vários disparates económicos nos últimos tempos. Mas para o Correio da Manhã isso pouco importa, quando o que está em causa é criar factos escandalosos para colocar na capa.
Portugal entre os cinco da UE com desemprego mais elevado, diz o Diário Digital. O que se passa é que Portugal tem a quinta taxa de desemprego mais alto. Por acaso está empatado numericamente com a Polónia, havendo por isso até a possibilidade de nem estar nos cinco primeiros e de ser apenas o sexto, mas isso já era pedir rigor a mais.
A questão é, porquê dizer "entre os cinco primeiros" e não apenas "o quinto"? Até ocupa menos espaço (um argumento que já aqui alguém deixou para justificar os títulos enganadores)!
Assim fica sempre aquela dúvida no ar, está nos cinco primeiros mas não se sabe bem qual deles é. Pode ser o primeiro, pode ser o quinto... O sensacionalismo habitual.
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