Hoje no DN, o alarme aviário: "Frango que está à venda tem bactérias perigosas"!
E reza assim o início desta pirotecnia jornalística: "esmagadora maioria (96%) dos frangos à venda no mercado nacional tem bactérias, três das quais "podem causar infecções graves", conclui um estudo da Pro Teste, revista da Deco. Os técnicos analisaram 69 amostras de frango (...)"
Então mas a intenção é informar ou fazer-nos deixar de comer canja?
Não acham importante, antes de escrever estas coisas, perguntar como raio conduziu a Deco este estudo? Quem nos garante que os 69 pedaços de carne -- entre "hambúrgueres, asas, pernas e coutos [sic] de frango" -- que estavam "à venda em estabelecimentos de Lisboa e Porto", representam o mercado nacional? (no site da Deco não é possível, infelizmente, aceder ao estudo)
Se isto não é exagero e alarmismo, dado o que nos é dado saber quanto à amostra, então eu posso aqui anunciar, baseado em algumas amostras pessoais que me provocaram alguns desarranjos, sem qualquer problema, que:
- o peixe que está à venda tem bactérias perigosas, com excepção para o atum
- o chouriço de sangue, a alheira e a morcela preta têm bactérias perigosas
- as pataniscas de bacalhau, as bifanas a la roulotte, e as farturas têm bactérias perigosas
(...)
Na SIC Notícias ouvia-se há momentos que a "confiança dos consumidores não estava tão baixa desde Junho de 1986" (citação não-literal), dando a entender que nesse período a confiança seria ainda mais baixa.
O que se passa na realidade, é que só há medidas desde esse mês, mas nesse mês o nível de confiança era muito mais alto do que é hoje! Ou seja, desde que há medidas nunca houve um nível de confiança mais baixo.
Se as capas dos jornais dão pano para mangas, as do Correio da Manhã dão para muito mais. Hoje, "Banca lucra 3,3 milhões por dia".
Pois, eu tenho uma capa ainda melhor: "Banca lucra 38 euros por segundo"...
Isto é, não estou a dizer se a banca lucra muito ou pouco, e muito menos se isso é bom ou é mau. Só estou a dizer que não é necessariamente verdade que a banca lucre todos os dias 3,3 milhões de euros como faz crer a capa. O que o CM faz é simplesmente dividir os lucros anuais (já agora, de todos os bancos) pelo número de dias do ano.
Nota introdutória: tem sido para nós difícil distinguir objectivamente entre os títulos que deturpam e os que não deturpam a realidade. Por vezes é claro, por vezes prestam-se a diferentes interpretações. No último caso é complicado dizer que deturpam a realidade. O que temos feito é verificado o que os blogues e os comentadores estão a dizer sobre a notícia. Concluímos quase sempre que os títulos são tão pouco rigorosros, que é a interpretação errada que predomina.
No caso deste post cheguei a pensar que era mesquinhice minha, julgava eu que os leitores não iriam interpretar o título da capa do DN de dia 23 literalmente, mas ainda ontem ouvi o disparate da boca de um comentador na SIC. Diz a capa do DN que "só os menos qualificados podem sair da função pública", dando a entender que os "mais qualificados" estão presos ao Estado. Na realidade está apenas em causa o acesso ao quadro de mobilidade especial que - tal como o nome indica - é um instrumento administrativo especial, ou não ordinário. Nada foi alterado (pelo menos segundo a notícia) quanto ao enquadramento legal da relação laboral.
No Meia Hora de ontem são atiradas várias críticas de economistas para dentro do mesmo saco, o Orçamento de Estado ou as Finanças Públicas.
Na capa, sob o título "Finanças públicas chumbadas por grandes economistas portugueses", temos a frase "segundo Silva Lopes, vamos viver uma “crise mais grave” por causa do défice externo", onde "crise mais grave" está carregado e escrito a vermelho. Pois, mas o défice externo é uma coisa... e as finanças públicas são outra. Associar ao segundo uma crítica ao primeiro é deturpar o que Silva Lopes disse.
Na página 3, sob o título "Economistas deitam abaixo valoriza Orçamento do Estado 2009", temos o subtítulo "OE continua a ser alvo de críticas. Mira Amaral dá nota negativa". Só que como podemos perceber do texto (e podemos verificar aqui), Mira Amaral estava a referir-se aos últimos anos da política económica do governo, não ao futuro, ou seja ao OE2009.
Nas críticas todas que são referidas no texto, acaba por só haver uma relativa ao orçamento... e nem se refere ao orçamento no seu todo, apenas ao aumento salarial para a função pública. Mas isso pouco interessa, tudo serve para deitar abaixo o OE.
Já num tema diferente, o mesmo texto faz um erro típico. Baixar num ranking não singifica que se baixe na avaliação desse ranking. Dizem as letras gordas "país piora progressos para cumprir estratégia de Lisboa", sendo isto baseado na descida de 13º para 14º num ranking qualquer. Para que no Meia Hora se perceba, basta pensar no Benfica de 1935/36, quando foi campeão, e no Benfica do ano passado, quando ficou em 4º. Alguém duvida que o Benfica do ano passado era melhor do que o dos anos 30?! (Até pode ser que Portugal tenha de facto piorado, mas não é isso que está em causa)
Desculpem mas não posso deixar de transcrever parte da entrevista do Primeiro Ministro José Sócrates hoje no DN, em que se discute a evolução do défice público em Portugal.
Qualquer semelhança com o "tom" do Pente Fino é pura coincidência:
Sócrates: (...) Tínhamos nas nossas contas, e no nosso plano, que em 2009 pudéssemos atingir um défice de 1,5%. E prevíamos isso quando entregámos o nosso programa a Bruxelas para os próximos quatro anos.
Jornalista: Vai subir para 2,2%.
Sócrates: Não, não vai subir para 2,2%. Vai manter-se em 2,2%. Há formas de dizer as coisas que fazem toda a diferença!
Jornalista: Estamos a dizer o mesmo.
Sócrates: Pois, pois... vocês são jornalistas e sabem perfeitamente que às vezes uma palavrinha muda tudo.
Jornalista: Mas estamos a dizer o mesmo: havia um objectivo mais baixo (1,5%) e agora aponta-se para um objectivo mais alto (nota do jornalista: "2,2%, igual ao de 2008").
Sócrates: É verdade, mas o défice não sobe! Mantém-se nos 2,2%.
Jornalista: Pronto, não baixa. (...)
Obrigado José Sócrates.
Nota: Vá, desatem lá a chamar-me pró-Governo -- revelando não perceber o que é o Pente Fino nem este post -- a ver se eu me ralo.
Hoje em letras garrafais na capa do DN: "Aprovação de remédios demora entre um e três anos".
Vejamos:
1. O DN faz valer-se da medida estatística de dispersão intervalo de variação -- diferença entre o valor máximo e o valor mínimo observados -- para sugerir, com motivação sensacionalista, uma ordem de grandeza que (1) nem sequer é rigorosa, e, portanto, é enganadora, e que (2) pode ser totalmente irrelevante.
2. O intervalo de variação, de 1 a 3 anos, citado na capa não é rigoroso. Conforme se pode ler na notícia, "Em Portugal a introdução de medicamentos inovadores para o cancro pode demorar entre 235 dias e três anos, em casos extremos."
Ora, 235 dias correspondem a cerca de 8 meses, ou seja, dois terços de um ano. Não cabia na capa "Aprovação de remédios demora menos de um ano a três anos"? Se calhar não. E soava mal, não era?
3. Mas o mais importante é que a 1ª página do jornal, assim como toda a notícia, podem valer absolutamente nada. E por três razões:
3.1. Para perceber a caracterização da distribuição do tempo de aprovação de remédios é necessário perguntar, nomeadamente, sobre (1) onde "cai" a média do tempo de aprovação (e/ou sobre outra qualquer medida de localização, já que a média é fortemente afectada por extremos) e (2) qual o desvio médio dos tempos de aprovação em relação a essa média (o desvio padrão). Pode acontecer que no estudo citado pela notícia todos os medicamentos, menos um, levem 235 dias a ser aprovados. E esse outro leve 3 anos. A notícia é verdadeira. Mas interessa? Não.
3.2. Afinal, o estudo em que se baseia a notícia, "compara o panorama no tratamento do cancro em 20 países europeus". No entanto, a capa, assim como o título da notícia no interior do jornal, sugerem que o intervalo de variação (impreciso e potencialmente irrelevante) se aplica a todos os medicamentos em Portugal.
Nota: Que me perdoem os visitantes do A Pente Fino, mas para que fique claro, acaso haja dúvidas (porque pode haver quem as tenha), aqui ficam as razões subjacentes a este post (porventura extensíveis a qualquer post):
Felizmente para todos nós e para uma sociedade que se quer democrática e moderna, os erros, o sensacionalismo, e as motivações obscuras, são a excepção e não a regra, entre o todo do conteúdo que os media – ou quaisquer outros agentes sociais – produzem e da informação que transmitem.
(Alerta do leitor N.S.)
Os telejornais gostam muito de reportagens com jornalistas de calculadora na mão, a fazer umas contas sobre os gastos dos portugueses (exemplo antigo aqui). No jornal da noite da SIC de anteontem, Pedro Andersson propunha métodos de poupança. Deixando de gastar x no pequeno almoço no café, poupava-se os mesmos x. Não comendo o almoço no restaurante que custa y, trazendo sim algo de casa, poupa-se y, etc. Aparentemente esqueceu-se que as refeições em casa também custam dinheiro, conseguindo assim um valor de poupança astronómica graças às suas propostas.
Claro que os espectadores repararam no óbvio, que as contas não faziam sentido. A questão aqui é, será que o jornalista não reparou ou tendo reparado achou que era "giro" fazer as contas na mesma?
Expresso, Público, Diário Digital (e certamente muitos outros que não verifiquei), todos transcrevem a notícia da Lusa a propósito do estudo da OCDE sobre desigualdade de repartição de rendimentos:
"Os autores do estudo colocam a Dinamarca e a Suécia à frente dos países mais justos, com um coeficiente de 0,32, e o México no topo da tabela dos mais injustos (0,47), seguido da Turquia (0,42) e de Portugal e dos Estados Unidos (ambos com 0,23)."
Não faço ideia onde foram buscar estes números, mas eu fui aos dados do relatório e verifiquei que a ordem de desigualdade (usando o índice de Gini) está, de facto, correcta, mas os números são (quase) todos diferentes: Dinamarca e Suécia (de facto, e como seria de esperar, no fim da tabela) têm 0.23 (e não 0.32), México (no topo) tem 0.47 (este está certo), Turquia tem 0.43 (e não 0.42), Portugal tem 0.39 (e não 0.23) e USA tem um pouco menos, 0.38 (e não 0.23).
Pequenos erros de transcrição são perfeitamente normais, não é isso que distingue o bom e o mau jornalismo, mas será que ninguém reparou que, com 0.23, Portugal e USA seriam mais "justos" do que Suécia e Dinamarca, se estes tivessem 0.32? Público, Expresso, Diário Digital e sei lá quem mais, todos transcreveram a notícia e ninguém reparou no óbvio? Ou nem sequer leram?
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