Numa capa bem ao estilo do Público, lê-se hoje: "Receitas dos casinos caem pela primeira vez nos últimos 20 anos". Mas, no corpo do texto, por pressão da sua própria consciência, a jornalista Sara Felizardo lá confessa: "nunca os casinos nacionais conheceram uma diminuição tão expressiva das suas receitas como a que estão a enfrentar desde o início de Outubro, exceptuando o período compreendido entre 2003 e 2004, onde se registou uma pequena quebra (...)". Ou seja, mais uma vez, uma capa e um título que mentem com a dentição completa.
... ou melhor uma capa à Rudolfo Rebêlo. Se o Carlos me permite, tenho algumas coisas a acrescentar sobre a notícia que suporta a capa do DN, sobre a qual ele escreveu este post.
1. Ao estilo conversa de café temos a frase "com dificuldades em poupar e fazer compras, o "estado de alma" dos consumidores está no ponto mais baixo desde 2003". Eu não sei onde se foi buscar esta relação causa-efeito (que não vem do INE), mas é curioso citar, bem a propósito, a seguinte frase do relatório de ontem do INE "as opiniões sobre a poupança no momento actual recuperaram nos últimos três meses".
2. "Para os próximos três meses, a intenção de proceder a novas encomendas nunca esteve tão em baixa como actualmente, apesar da quadra tradicionalmente consumista, com o Natal e o 13.º mês (subsídio) a ajudar à facturação de vendas", diz-nos o Rudolfo. Ora, ele baseia-se na seguinte pergunta feita aos consumidores comerciantes*: "excluindo os movimentos de carácter sazonal, pensa que o volume de encomendas aos fornecedores nos próximos três meses" irá aumentar / manter-se / diminuir?
3. "De quem é a culpa deste clima tão deteriorado? Da procura, respondem os comerciantes no inquérito. Em relação à actividade, os lojistas fazem uma apreciação negativa dos últimos três meses e elegem como principal obstáculo à actividade - leia-se vendas - a anemia do consumo. Os inquéritos aos consumidores confirmam o pessimismo demonstrado pelo comércio."
Traduzindo para português: porque é que o comércio está mal? Porque não se vende. E porque é que não há vendas? Porque não há consumo. La Palice não diria melhor.
4."Em relação à actividade, os lojistas fazem uma apreciação negativa dos últimos três meses e elegem como principal obstáculo à actividade - leia-se vendas - a anemia do consumo. Os inquéritos aos consumidores confirmam o pessimismo demonstrado pelo comércio. Este cenário de repressão nas despesas das famílias é confirmado por outras fontes. Já o INE, na sua folha de conjuntura de Outubro, tinha referido o pessimismo dos lojistas". Curioso o Rudolfo não se referir ao indicador que mede as despesas das famílias, quando está a falar das despesas das famílias, indo buscar o pessimismo dos lojistas. Talvez seja porque no relatório de semana passada, onde saiu a última estimativa da evolução do consumo das famílias, se possa ler que "ao nível da procura interna, o consumo privado acelerou no 3º trimestre".
5. "...as encomendas aos seus fornecedores (grossistas) - também eles a revelarem pessimismo para os próximos tempos - estão em queda, atingindo o ponto mais baixo de sempre". Cá temos o erro habitual do Rudolfo, confundindo nível com variação - além de confundir expectativas para o futuro (no inquérito) com observações (ponto mais baixo das encomendas no texto). Mais uma vez, o INE pergunta como se pensa que vão variar as encomendas nos próximos meses. A variação prevista é a mais baixa de "sempre" (2003, na realidade...), mas isso não implica de modo nenhum que as encomendas sejam as mais baixas de sempre. Pode esperar-se um aquecimento enorme para amanhã, o que não faz do dia de amanhã o dia mais quente de sempre.
*(corrigido após uma chamada de atenção de um leitor)
No IOL Portugal Diário, além de se continuar a querer trazer a desgraça a todo o custo, o que é visível no título "Portugal com 5ª maior taxa de desemprego entre Zona Euro", cometem-se dois erros:
1. Na abertura da notícia escrevem que "Portugal tem a maior taxa de desemprego [7.8%] entre os países da Zona Euro ", para mais à frente declararem que, afinal, esta é a 5ª maior taxa (como está no título), e não a maior. Será que não se dão sequer ao trabalho de ler o que escrevem? Ou é conveniente errar logo no início da notícia?
2. Não só não é verdade que seja a maior taxa de desemprego, como não é verdade que esta tenha "aumentado face aos 7,3% no mês de Setembro". Segundo o Eurostat, a taxa de desemprego de 7.8% tem-se mantido desde há 5 meses!
Nota: ao menos, se calhar pelo que foi aqui dito, já não escrevem "com maior desemprego".
O pessimismo desenfreado, a azia desmesurada, e o negativismo descontrolado, tomam conta do DN de hoje, ao afirmar o jornal na sua capa, para o transeunte ler no quiosque enquanto passa na bisga para o emprego esta manhã, que o "Comércio espera pior Natal desde 1989"! Assim, tout court.
Pois eu desafio o jornal a provar esta afirmação. É que com base na notícia, a única coisa que se pode afirmar é que o índice de confiança do comércio está aos níveis de 1989. Daqui a concluir que os comerciantes esperam vendas abaixo das de 1989 é um salto quântico sem rede, e por isso é alarmista, sensacionalista, e falso.
Porque é que o DN não foi às lojas perguntar se este Natal vai ser prior que o de 1989? Das duas, uma, ou tinha uma surpresa ou lhe diziam que não senhor, este vai ser é o pior Natal de sempre!
Hoje no Público faz-se uma daquelas coisas que sempre me deixou perplexo: dá-se espaço, isto é, faz-se publicidade, a empresas privadas como se de notícia se tratasse.
Não, não é imprimir anúncios publicitários, é mesmo disfarçar de notícias publicidade a empresas!
Noticiar que "marcas e grandes superfícies já têm previsões de quais serão os brinquedos mais vendidos no Natal" e que "quem mais publicita, leva a melhor", eu até engulo.
Mas encher uma página inteira com nomes de brinquedos e das empresas e marcas fabricantes, é, simplesmente, uma vergonha.
Alô, Autoridade da Concorrência? Pi, pi, pi, pi...
Em mais um artigo irrelevante o DN, através do jornalista Manuel Esteves, propõe que o facto de Sócrates ter anunciado um plano há três anos e meio prevendo a criação de 150 mil empregos (correspondendo a 2,9% da população empregada portuguesa de um ano não especificado) pode ser comparado com o plano recentemente anunciado por Obama de criar 2.5 milhões de empregos nos Estados Unidos até 2011. Ignorando completamente as diferenças conjunturais dos dois planos (e chamando-lhes "promessas"), ainda assim o artigo do DN nota que nem tudo é o mesmo:
"Aqui reside uma importante diferença face ao plano de Sócrates, anunciado há três anos e meio. É que o Governo português contava criar 150 mil empregos, essencialmente por via do crescimento económico e pela melhoria das qualificações dos portugueses. Já Barack Obama aposta sobretudo no investimento público, tendo sublinhado que os novos empregos estarão associados à construção de estradas e pontes, à modernização das escolas e à construção de infra-estruturas de energias alternativas."
Mas a minha parte preferida é quando o jornalista decide ignorar completamente o que acabou de escrever e termina o artigo como se fosse a despedida duma breve conversa na padaria.
"Acontece que, em matéria de emprego, a vontade do Governo conta pouco. José Sócrates que o diga."
De facto, a vontade do Governo conta pouco para o crescimento do emprego através do crescimento económico, mas pode contar muito através do investimento público... Adeus vizinha, tenha um bom dia!
Infelizmente ela já tinha saído porta fora.
Adenda: Claro que mais gente pensou o mesmo. Será que há alguém não pensou mesmo? É favor seguir este link.
Então agora é a garnel? Pega-se em dois líderes políticos diferentes - Obama e Sócrates -, de países que pouco ou nada têm em comum, em períodos distintos, e conclui-se que, na questão da criação de emprego, Obama é menos ambicioso que Sócrates ou que este é mais ambicioso que o outro (as duas variantes encontram-se hoje no DN)? Que sentido faz a comparação?
Até compreendo o fervor em torno de Obama como o novo Messias para o mundo, o que não compreendo é que se disfarce uma notícia sobre os objectivos de Obama para o emprego, para, despropositadamente, comparar dois líderes ou criticar um deles. Ou é notícia, ou é artigo de opinião.
Se, por exemplo, Obama não abolir a pena de morte em alguns estados, será que vamos ver jornalistas a escrever que Sócrates é leve para com os criminosos?
Hoje no DN toma-se erradamente a parte pelo todo, ao fazer-se capa, título, e notícia com o seguinte:
"(...) há 1,33 milhões de pessoas que trabalham ao domingo, o que corresponde a 25% da população empregada - ou seja, um em cada quatro portugueses passa parte do domingo a trabalhar."
OU SEJA, um em cada quatro trabalhadores portugueses e não um em cada quatro portugueses. Distracção?
Na capa de hoje no DN: "Oliveira e Costa detido por burla agravada, fraude fiscal e branqueamento de capitais".
Esta falta de rigor promove uma má cultura popular face às matérias judiciais. Goste-se ou não de banqueiros, e deste em particular, e tenham ou não os banqueiros, e este em particular, especial inclinação para mexer em dinheiro, até pronunciação de uma sentença por um tribunal, uma pessoa detida é-o por recair sobre ela uma suspeita (a menos que haja flagrante delito).
À custa de um drama privado e de uma boa história, não deixa mesmo assim de ter piada que desta vez parece ter havido espaço de sobra para espetar na capa uma sequência de três crimes, e palavras tão compridas quanto "branqueamento". "suspeita de" tem de ficar para outra capa.
Estava eu a ler esta notícia no Público online, supostamente da LUSA (mas não a encontro em mais lado nenhum a não ser no Público), e reparei que os números não me faziam muito sentido.
Entrei na página da DGO, para verificar a fonte da notícia, e de facto o relatório da DGO apresentava números diferentes. Demasiado diferentes para ser verdade.
Não é que o Público se lembrou de publicar uma "notícia", não sobre o último relatório da DGO, mas sobre o penúltimo?!
Mais um exemplo do jornalismo de qualidade, rigor e actualidade feito às três pancadas.
E só por curiosidade, depois deste disparate é mesmo só por curiosidade, aproveito para acrescentar um pormenor. É que o título está mesmo errado (comparando com o penúltimo relatório). O jornalista confundiu taxa de variação das receitas fiscais com a sua contribuição para a variação das receitas totais...
Adenda: Reparo agora que o título não tem um, mas dois disparates. O título diz que as receitas cresceram abaixo do previsto no Orçamento... Só que o Orçamento não compara Agosto de 07 com Agosto de 08, como dá a entender o título! Compara Dezembro com Dezembro, logo há ali oito meses onde estamos a falar da mesma coisa, mas há também oito meses onde estamos a falar de coisas diferentes! Pormenores...
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