(post que esteve pendente por problemas no blogs.sapo)
Já não há paciência para isto*. Quando as coisas crescem, mas o pessoal está com vontade de fazer o gostinho do sensacionalismo e catastrofismo ao dedo, até uma desaceleração (que acontece aproximadamente em metade das medições) serve para fazer títulos negros.
Traduzido por miúdos, temos jornalistas que quando vêem algo a crescer de 1 para 2, e de 2 para 3, inventam aqui uma queda.
Nem a imprensa económica escapa. No Diário Económico de dia 20, temos num título "Itália** - Famílias com menos riqueza" (a aldrabice vem sempre no título). Mas no texto lê-se "a riqueza total dos agregados italianos cresceu 3,9% em 2007". Mais à frente ficamos a saber que a média do crescimento dos últimos anos foi de 6,2%, suponho que tenha sido a partir daqui que se inventou o decréscimo de riqueza do título.
* Este disparate é tão comum, que vou criar uma tag aqui para o blogue, vou chamar-lhe "123 é a subir"
** Felizmente para mim, a notícia não se refere a Portugal. Safo-me assim de reacções pavlovianas de quem, estando sedento de más notícias, confunde uma exigência de rigor com uma qualquer opinião política.
Sindicato garante que adesão à greve do pessoal de manutenção da TAP é superior a cem por cento.
Digamos que não é todos os dias que isto acontece!
No Público de hoje, o inacreditável. Lemos num título, e pasmamos, que "já não precisamos de recorrer ao crédito para nos endividarmos". E eu pergunto: mas que tipo de endividamento é que não implica recurso a crédito? Não será "endividamento", por definição, recurso a crédito?
Por momentos ainda pensei que pudesse estar a ser utilizada uma definição de "crédito" muito restrita, englobando apenas crédito bancário, por exemplo, mas excluindo outros tipo de crédito, como, por exemplo, o de tipo dívida de mercearia (que não deixa de ser crédito). Mas não. Reparem só no primeiro parágrafo da notícia: "Não conseguem pagar as despesas domésticas, os seguros, a creche ou a escola dos filhos, o condomínio ou a renda da casa, a conta na farmácia ou no supermercado do bairro. Não têm dívidas de crédito à habitação, automóvel, pessoal ou de qualquer outro tipo. São a nova classe de sobreendividados".
Ou seja, na cabeça de Ana Rita Faria, estes indivíduos têm a incrível capacidade de se "sobreendividarem" sem terem "dividas de qualquer tipo". Isto de um gajo se endividar---aliás, sobreendividar---sem se endividar é uma daquelas injustiças que deviam ser proibidas por lei. Ou isso ou proibir os jornalistas de atropelarem desta forma os conceitos lógicos mais elementares.
A TSF dizia há pouco que o governo tinha tomado a decisão de não aumentar o preço dos transportes públicos "durante 2009".
Ora o que está em causa é que os preços não vão ser aumentados a 1 de Janeiro. Sendo que a nova legislação permite aumentos intercalares a meio do ano, a conclusão da TSF é claramente precipitada e enganadora.
O DN adora fazer capas onde aparecem notícias sobre o consumo. E, quase invariavelmente, sai asneira. Na de hoje, lê-se o seguinte: "Portugueses compram presentes mais baratos". Os dados referem-se a pagamentos por multibanco, são da Sibs, e são fornecidos logo no início do texto: "os portugueses estão a aumentar ligeiramente o número de operações de compra, mas a despesa é igual". Ou seja, em relação ao mesmo período do ano passado, este ano há mais pagamentos por multibanco, embora o montante total transaccionado seja sensivelmente o mesmo.
O que é que conclui a Paula Cordeiro? Primeiro, que "a crise está a travar os ímpetos consumistas dos portugueses", desmentindo-se a ela própria logo a seguir quando escreve "os portugueses estão a comprar o mesmo". E, segundo, que os portugueses estão a "gastar menos em cada aquisição" (ou, como na capa, "portugueses compram presentes mais baratos").
A primeira contradição é desfeita pela própria jornalista, não necessita de mais comentários. A segunda conclusão não é necessariamente verdade. Por várias razões. Primeiro, nem tudo o que é comprado por recurso ao multibanco é "presente". Portanto, querer fazer das compras da época natalícia compras de natal é, só por si, falacioso. Segundo, o número de pagamentos não é igual ao número de "aquisições" nem ao número de presentes. Como é que a Paula Cordeiro sabe quantos produtos estão a ser comprados em cada pagamento? Se forem comprados menos produtos por cada pagamento, então podem estar a ser comprados produtos mais caros com a mesma despesa total (ou menor). Terceiro, os portugueses podem perfeitamente estar a usar o multibanco mais frequentemente, gastando a mesma despesa sem necessariamente comprar "presentes" mais baratos.
Portanto, aquela conclusão não passa de pura especulação. E pura especulação, quando revestida de ar de verdade irrefutável, não devia aparecer em capas de jornais.
A taxa de inflação atingiu o valor mais baixo dos últimos dois anos, dizia-se no Telejornal da RTP, citação (actualizada) literal.
Será que há 2 anos era inferior? Não!
A questão é que o relatório de hoje do INE só tem uma tabela com os últimos 2 anos!
Se o jornalista se desse ao trabalho de ir ver a página do INE, verificaria que não há nenhum valor inferior para a inflação nos dados que lá existem, ou seja desde 2002. Algo como 1 minuto de trabalho.
(Se a notícia fosse negativa, lá se diria que foi a "pior inflação de sempre", sendo que o "sempre" normalmente significa "até à data a que me dei o trabalho de verificar". Exemplos disso não faltam aqui no blog.)
Se o jornalista se desse ao trabalho de verificar o Eurostat (que só tem o HIPC, um índice muito próximo, mas diferente do IPC), verificaria que só em 1998 houve uma taxa de inflação inferior. Outro penoso minuto de trabalho.
Pondo a questão de outra forma, se não foi verificado o valor mínimo (e eu não estou de modo nenhum a dizer que deveria ter sido feito), por que é foi inventado aquele pormenor do "mínimo desde há dois anos"?
Na capa do Público lê-se hoje "Apesar da contenção, os consumidores portugueses continuam a comprar artigos mais caros, desde que signifiquem um bom investimento", ao estilo do "qualquer coisa que cheira a crise, os leitores acreditam".
Fica aqui o gráfico da variação do consumo privado (a azul) tirado do relatório desta semana do INE, consumo este que desde há cinco anos cresceu em todos os trimestres (em termos reais).
Alguém vê a contenção?
O jornal é o DN e o jornalista é o incontornável Rudolfo Rebêlo. Eis o que me veio à rede no artigo de hoje:
1. "Pelo terceiro ano consecutivo os portugueses perderam poder de compra em 2007".
Custa assim tanto deixar claro que esta perda é relativa ao resto da União Europeia? Sobre isto, já tudo foi dito aqui.
2. "Portugal é um dos países da Europa mais caros para viver, ocupando o 18º lugar no ranking das nações com os preços mais elevados, entre uma lista de 37 países".
Primeiro, é dos mais caros, mas ocupa a 18ª posição em 37 países. É o que se chama um "pódio de 18 lugares"... Ainda por cima o nível de preços em Portugal até está bastante abaixo da média europeia. Segundo, porque é que o Rudolfo não comparou apenas com os países da zona euro, como fez com o "poder de compra"?! Nesse caso seria o 3º mais barato. Mais barato só mesmo Malta e Eslovénia.
3. "Há três anos que Portugal mantém o nível de preços da alimentação (e serviços) face à média da UE 27".
Ah, agora o Rudolfo já fala em termos relativos! Está a melhorar, sem dúvida. Mas interrogamo-nos se o teria feito caso o nível de preços tivesse subido em relação à média europeia, como o não fez com o poder de compra. E, "alimentação"? Então e um pneu? E um sofá? E uns sapatos? Não são alimentos, não são serviços, são o quê?
4. "Ou seja, medido com base nos gastos efectuados pelas famílias em bens e serviços (consumo), o poder de compra é apenas 82% da média da União Europeia a 27".
Mas que sentido é que faz medir o "poder de compra" usando o consumo privado? Se um japonês me emprestar dinheiro para importar um carro do Japão, o meu consumo aumenta, mas quer isso dizer que tenho mais poder de compra? E se eu decidir não gastar parte do meu salário para emprestar a um mexicano, quer isso dizer que perdi poder de compra?
5. "Apesar de os preços nas lojas e nos serviços estarem 43% acima da média da União - o que significa uma carestia de cerca de 60% superior a Portugal -, o poder de compra dos dinamarqueses está 12% acima da média da UE 27".
Com que então, 60%... O Rudolfo pega nos níveis de preços dinamarquês (143) e português (84), tira a diferença e (sem dividir pelo nível de preços português) chama-lhe percentagem. Claro que a percentagem correcta é perto de 70%, não 60%. Mas o mais curioso é termos lido, há uns tempos, um comentário refilão do próprio Rudolfo a vangloriar-se de não padecer dessa maleita tão comum entre jornalistas que é não saber calcular percentagens. Cá temos a prova.
Além disso, como escrevi no ponto 4, os 12% de que nos fala referem-se ao diferencial relativo do consumo e, portanto, não fazem sentido enquanto diferença de poder de compra. Lá por os dinamarqueses pouparem uma grande parte do que produzem, isso não significa que perdem poder de compra.
6. "O poder de compra no Grão-Ducado do Luxemburgo estava (em 2007) cerca de 47% acima da média e, mesmo assim, estão mais "pobres"".
Pois claro, tinham um rendimento real 154% superior à média europeia em 2005, e 167% em 2006 e 2007, e o Rudolfo ainda nos quer convencer que ficaram mais pobres...
(Este tipo específico de aldrabice da nossa imprensa foi um dos grandes responsáveis por lançarmos o blogue, por ser tão recorrente.)
Portugueses perderam poder de compra entre 2005 e 2007, aldraba hoje o Público online. Já não falo no problema de não estar em causa o poder de compra (ver primeiro post de hoje), mas como a comparação do PIB per capita é feita, confundindo valor absoluto com percentagem da média europeia.
Um exemplo muito simples para o pessoal do Público perceber:
2005 Europa 10, Portugal 5, logo 50% da média
2006 Europa 13, Portugal 6, logo 46% da média
2007 Europa 16, Portugal 7, logo 44% da média
O que o Público nos diz é que 7 é menor do que 5. O seu director, que tanto anda preocupado com a educação da matemática, teria um excelente sítio por onde começar a sua batalha, a sua casa.
Fica aqui o exemplo da TSF, que é capaz de relatar os factos como eles são: Portugal perde poder de compra em relação a parceiros da UE
Uma "notícia" no Público online (supostamente da Reuters) começa com esta frase: O consumo de petróleo deverá recuperar já no próximo ano, depois de cair este ano para o nível mais baixo em 25 anos.
É óbvio que isto é um disparate, o consumo tem sempre crescido desde 1983 (mais coisa menos coisa), e a suposta fonte da notícia diz outra coisa completamente diferente: World oil demand growth will return in 2009 after shrinking this year for the first time since 1983.
Eu nem sei o que concluir disto. Se esta gente é tão tola que acha que lá por se descer uma vez se bateu um record mínimo, se esta gente acha que os leitores são tão estúpidos que podem ser facilmente aldrabados com qualquer sensacionalismo com a palavra "crise" para lá metida, ou se pura e simplesmente vivem tão alienados deste planeta ao ponto de acharem mesmo que o consumo hoje poderia ser mais baixo do que há 25 anos. Venha o diabo e escolha...
(A diferença entre o original e a versão do Público é grande demais, para alguém me convencer que foi apenas um erro de tradução).
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