Eu muito raramente sigo a informação na TVI. Para lá das razões óbvias, há o problema do dia só ter 24 horas, o que não me dá tempo suficiente para escrever todos os posts que a TVI mereceria. Mas depois do entusiasmo de José Eduardo Moniz na entrevista ao Público de ontem sobre a recém-nascida TVI24, dei à TVI uma nova oportunidade.
Como não estou em casa, apenas vi a página online, onde a secção Economia tem como destaque:
Portugueses estão a trabalhar cada vez mais.
Produtividade cresceu 1,2% entre 2000 e 2006
Parece inacreditável, mas a TVI24 não percebe que uma coisa nada tem a ver com a outra.
Zé Eduardo amigo, aqui que ninguém nos ouve, eu explico:
O Afonso e o Bruno produzem trigo. O Afonso faz tudo à mão e o Bruno tem equipamento. O Afonso trabalha 10h em média, o Bruno apenas 6h. O Afonso produz 10 toneladas mas o Bruno com toda a mecanização produz 12. O Bruno tem uma produtividade maior (2 ton/h em vez de 1ton/h) mas quem é que trabalha mais?
(Resposta certa: o Afonso)
Por curiosidade, o relatório do INE informa que o total de horas trabalhadas no país têm vindo a diminuir constantemente desde 2002 (até 2006, o último ano em que há dados). Em termos individuais, a queda não é constante, mas há uma queda.
Mas a ideia que fica é que os portugueses esperam o maior aumento do desemprego dos últimos 23 anos, e nada naquela questão permite concluí-lo.
Porque é que os jornais escrevem estas coisas, ultrapassa-me.
DN de ontem:
1. Capa: "Accionistas de BPP terão de pagar perdas de clientes".
2. Título: "Accionistas podem ter de pagar".
3. Texto: apenas as declarações de Teixeira dos Santos do Estado sobre a não ingerência do Estado no que toca às fortunas privadas.
DN de hoje:
1. Capa: "Bens pessoais pagam perdas de clientes"
2. Título: "Bens pessoais de gestores pagam perdas de clientes".
3. Texto: "João Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português, BPP, e seis ex-administradores suspensos pelo Banco de Portu-gal [sic] na semana passada poderão responder com os seus bens pessoais pelas perdas de clientes, na sequência de queixas-crime apresentadas em tribunais."
E mais não preciso de dizer.
Desemprego dispara em Janeiro e atinge mais 70 mil pessoas insinua hoje em grande a capa do Público.
Da fonte da notícia, cujo próprio link está na página online do Público, lê-se:
O desemprego registado apresenta uma trajectória ascendente, apurando-se (...) relativamente ao mês anterior, o aumento foi de 7,7%, consequência de mais 31 961 desempregados inscritos.
Ou mais explícito ainda:
Desemprego registado
Dezembro 2008: 416 005
Janeiro 2009: 447 966
O Público não teve falta de pudor em brincar com as palavras. Os 70 mil do relatório são pessoas que se inscreveram como desempregadas, mas há apenas mais 32 mil pessoas no desemprego. Alguém interpretou o título do Público de modo correcto?
Hoje na SIC e SICNotícias ouve-se os seguintes disparates (não é literal, mas a ideia era essa)
Número de desempregados aumentou 27,3% em relação a Janeiro de 2008
Na suposta fonte da notícia, um relatório do IEFP, lê-se que o número de desempregados variou +12,1%. Habituado à confusão de muitos jornalistas entre stock e fluxo, imaginei que tivesse sido a variação do número de desempregados que aumentou 27,3%. Mas também não é, o relatório não tem dados que possam calcular essa variação. Os 27,3% referem-se sim à variação do número de novos trabalhadores inscritos como desempregados. O problema é que não há nenhuma relação directa entre este número e o número de desempregados. Pode haver um aumento do número de novas inscrições e o desemprego descer. (Não é o caso, claro! Mas mostra como se confunde coisas com pouca relação entre si)
Portugal ganhou 70 mil novos desempregados
Aqui o computador diz que 448 menos 416 dá 32, mas a SIC lá saberá onde inventou os 70.
(Adenda: reler este post e os comentários a ele para perceber o que quero dizer com este ponto)
Cada vez mais cursos deixam de ser garantia de trabalho
Quem lançou esta notícia foi o JN, onde se lê que há menos 4% (em número absoluto) de licenciados desempregados. Ora num clima de aumento de desemprego, a existência de menos licenciados desempregados a levar a alguma conclusão seria exactamente a oposta do que a SIC diz!
Os cursos que dão menos garantia de trabalho são Psicologia, Gestão, etc.
Há muito mais pobres nos EUA do que no Tuvalu, mas isso é porque o Tuvalu é pequeno, não é porque os norte-americanos tenham maior probabilidade de ser pobres. Se houver 5 médicos desempregados, e a licenciatura em Engenharia de Descascadores de Batatas tiver todos os seus 4 licenciados no desemprego, a SIC diria que a licenciatura em Medicina garante menos emprego... pois.
O jornal humorístico 24 Horas, concorrente fraquinho do Inimigo Público de onde roubei o título do post, diz hoje na capa: Portugal é o país da Europa com maior taxa de homicídio. Relatório da ONU preocupante. O mais grave não é,
- deixar a ideia na capa de que se tratam de números actuais
- nem generalizar os dados de um ano só, quando eles são muitos voláteis (em 2006, o ano escolhido pelo 24 Horas, a taxa foi de 2,15 mas tinha sido 1,66 no ano anterior e terá sido algo como 1,6 no ano seguinte pelo que percebo do texto do jornal),
- nem "esquecer" que países como França, Bélgica, Luxemburgo, Hungria, Bulgária, Islândia etc. (salvo o erro são países europeus), não constam do relatório,
- nem "esquecer" que as definições jurídicas de homicídio, e logo as estatísticas em si, não são comparáveis entre países*.
O mais grave é haver vários países europeus (Bielorrússia, Estónia, Letónia, Lituânia, Mónaco) onde a taxa de homicídio foi mesmo maior do que a nossa no ano escolhido pelo 24 Horas. E isto não os impediu de escolherem o título que escolheram.
Depois há o SOL que faz copy-paste do 24 Horas sem se dar ao trabalho de verificar os dados. O Público além de se esquecer no título da França, Bélgica e Luxemburgo, deve julgar que o Mónaco é um país nas Caraíbas.
*Normalmente não faria esta crítica, porque o jornalista não é obrigado a saber este pormenor. Normalmente diria que a tarefa do jornalista é apenas usar os números da fontes. Mas neste caso, é o próprio corpo da notícia que diz que os números não são comparáveis.
"Governo promete aumento de impostos" diz o Correio da Manhã em letras gigantes. A "conclusão" é baseada nas estimativas do peso da carga fiscal -que constam do PEC - que têm variações na ordem dos 0,1 e 0,2 pontos percentuais.
Primeiro de tudo é ridículo dar qualquer importância a variações deste tamanho, especialmente neste caso em que se trata de previsões. Segundo a notícia, a variação de 2007 para 2009 será de -1.5pp, o que mostra o quão insignificantes são aqueles valores.
Segundo, o CM "confunde" na capa - mas já não o faz no corpo do texto - carga fiscal com o nível dos impostos. Se eu este ano decidir comprar pastéis de camarão em vez de pastéis de vegetais, estou a pagar mais IVA (os primeiros têm um IVA maior), ou seja estou a aumentar a minha "carga fiscal". O que é que o Correio da Manhã vê ali? Uma alteração do consumo? Não, um aumento dos impostos!
Outro exemplo, se houver menos gente a fugir aos impostos, o CM não vê nisso uma redução da fuga ao fisco, mas um aumento de impostos!
Por último, um apontamento tragicómico. As receitas fiscais dos impostos directos (em percentagem do PIB) vão ter - segundo o texto - o seguinte comportamento: 9,8%, 9,6% e 9,7%. Há ali primeiro uma redução e depois um aumento, metade da redução (ambos totalmente insiginificantes como já disse). O que é que o parágrafo introdutório diz? "[O PEC...] deixa claro que os impostos directos e indirectos vão aumentar nos próximos dois anos." Não interessa o comportamento geral, interessa é que lá pelo meio haja uma subida.
Diz-se aqui que os portugueses são "campeões europeus em portáteis". Primeiro, temos o abuso do costume: fala-se em campeões da Europa no título mas lemos mais umas linhas e percebemos que afinal apenas países da Europa Ocidental foram considerados no estudo (sem especificar quantos, mas podemos confirmar aqui que são apenas 16).
Segundo, e bem mais grave, temos a conclusão abusiva: os portugueses são campeões em portáteis não porque possuem ou compram mais portáteis (em termos absolutos ou per capita) do que os outros 15 países da Europa Ocidental (até podem ter, mas o artigo não o discute), mas simplesmente porque a proporção de portáteis no total de PCs é a maior (81%).
Imaginem agora o que teria escrito o Expresso se afinal um dos outros 15 países tivesse um mísero portátil para toda a população (100 por cento do tal de PCs, portanto): "portugueses vice-campeões europeus em portáteis". Pois...
Adenda:
Cometi o erro de assumir que o título do texto referido no post abaixo, se referia exclusivamente a esse texto. Não tendo tido a hipótese de verificar a versão física do jornal (apenas a online), não percebi que o título se referia sim a algo não disponível online. A autoria do "erro" que crítico no post não é assim do autor do texto, mas da composição da versão online do jornal.
As minhas desculpas pela crítica injusta. (Ver comentários)
Para um texto sobre previsões de diferentes analistas sobre os dados económicos do último trimestre de 2008, e onde não há uma única referência sobre o ano de 2009, Rudolfo Rebêlo escolhe hoje no DN o título:
FAMÍLIAS SEM DINHEIRO AGRAVAM CRISE EM 2009
Eu acho muita piada aos representantes de determinados sectores económicos, que sustentam que o seu sector representa não-sei-quantos porcento do PIB português. Fico sempre com a ideia que se somarmos os sectores todos, descobrimos que o nosso PIB deve ser semelhante ao alemão.
O disparate de hoje nem vem de alguém do sector, mas de alguém que tem como profissão "informar-nos" (não vale rir), um anónimo jornalista da Lusa. Diz ele que a Qimonda, com os seus 2 mil trabalhadores, contribui para 5% do PIB. Ou seja cada superhomem/colaborador da Qimonda produz tanto como 140 ou 150 trabalhadores portugueses médios. Eu acho é que eles têm lá duendes escondidos.
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