Segunda-feira, 21 de Abril de 2008

Parabéns pelo esforço mas as conclusões não tem qualquer base sólida

"Os mais pobres sofrem mais com a inflação." diz a capa do Público de hoje em letras gordas. Ainda na capa "As famílias portuguesas com rendimentos mais baixos são as que mais estão a sentir os efeitos da inflação, conclui um relatório do INE."

Lá dentro temos a bela e elucidativa frase "Cálculos feitos pelo PÚBLICO...".  Aah! Ficamos a saber que o próprio jornalista parece reconhecer que a credibilidade do Público anda pelas ruas da amargura, ao ponto de necessitar de mentir quanto à origem do estudo na capa, para que alguém dê alguma credibilidade ao que escreve. O facto de os dados usados serem baseados num relatório do INE, não dá o direito ao Público de dizer que as conclusões são do INE. Para lá desta mentira, há ainda a questão de saber se o INE teria tantas certezas como o Público parece ter.

Antes de mais um fenómeno paranormal nos resultados do Sérgio Aníbal, que lhe deveria ter saltado à vista. TODAS as classes de rendimento sofreram, segundo ele, inflações iguais ou acima da inflação! Ou seja teremos a média (feita sobre os rendimentos) acima da média. Algo com a média de 10, 9, 8, 7, 6 e 5 ser... 5! O que já mostra que as suas contas estão certamente erradas*.

Apesar de ter que reconhecer que o Sérgio Aníbal se deu ao trabalho de fazer algo que provavelmente poucos fariam, não se pode tirar as conclusões que ele tira. Mais uma vez e bem, ele próprio reconhece isso dizendo "a análise feita pelo PÚBLICO não leva em conta esse nível de desagregação da despesa familiar..."  mas logo a seguir estraga tudo mostrando bem o seu facciosismo, quando diz  "ainda poderia acentuar as disparidades do impacto da inflação sobre os diferentes tipos de famílias". Dou-lhe razão, mas não há razão nenhuma para acreditar que seja para cima ou para baixo. Porque será que não escreveu o oposto, que poderia diminuir e até inverter as disparidades do impacto da inflação? Não dava jeito. Como exemplo posso indicar os legumes que desceram 15%, o que mostra o quão difícil é tirar o tipo de conclusões que o Sérgio quer tirar, com os poucos dados disponíveis que existem.

Outro aspecto que mostra o quão forçadas são as suas conclusões, é o  facto de ele chegar ao valor de 3,1% de inflação para as famílias ricas e 3,6% para as pobres. A diferença é ridiculamente baixa e insignificante dados os problemas de agregação. Mais, esta pequeníssima diferença que foi medida em Março (0.5 pp) pode pura e simplesmente inverter-se em Abril, já que a inflação dentro de cada classe de produtos é altamente volátil (com variações de mais de 1pp de mês para mês em termos anuais).

Por último, e esta crítica estende-se a TODOS os jornalistas, que dizem que os "bens essenciais" têm subido acima da inflação. É preciso ter muito cuidado com o nível de agregação. Primeiro - e como já disse - termos alimentação a subir, pode dever-se aos caviares e às patas negras, logo é complicado chamar "bem essencial" à classe alimentação. Segundo, a este nível grande parte das classes são bens essenciais!! Descontando 5 das 12 classes, temos Alimentação, Vestuário, Habitação, Produtos correntes para a Habitação, Saúde, Transportes, Educação, que julgo serem todos "bens essenciais". Pois bem, três delas estão abaixo da inflação. É sempre fácil pegar na que subiu mais destas sete (estatisticamente haverá uma acima da inflação, em 99,99999% dos casos)  e em tom sensacionalista clamar bem alto que os "bens essenciais" sobem acima da inflação.

*Entretanto percebi de onde vem este erro. O Sérgio mistura cabazes do Inquérito às famílias com os do IPC. Ou seja para calcular quanto é que uma família rica gasta em alimentação usa o primeiro estudo, mas para calcular quanto é que família paga agora a mais pela alimentação usa o segundo estudo. Como os cabazes não coincidem, a média do primeiro não coincide com a do segundo. Mais uma razão, para não dar qualquer credibilidade a isto...
publicado por Miguel Carvalho às 11:16
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7 comentários:
De Miguel Carvalho a 23 de Abril de 2008 às 09:12
Caro Rodrigo,

eu julgo que estamos próximos em termos de opinião, mas há aqui um ponto que eu acho fundamental que não está a entender.

Os cálculos do Público usam o cabaz do IPC misturado com o cabaz do Inquérito às Famílias. Para saber quanto aumentou os gastos dos ricos em alimentação são necessárias duas coisas: a fracção que os ricos consomem de alimentação, que é retirado do segundo, e o aumento de preço da alimentação, onde se usa o primeiro!
Como os dois nunca coincidem por definição (só coincidiriam se os
ricos, os muito ricos, os pobres, os assim-assim consumissem exactamente o mesmo cabaz mas em proporções diferentes), aqueles cálculos vão estar errados por definição.

Dito de outra maneira, imaginando que o estudo seria feito ao ínfimo detalhe. Então aí teríamos obrigatoriamente que a média (ponderada) da inflação sobre as classes de rendimentos teria que ser igual ao IPC. Agora imaginando que ambos não fazemos um estudo único, mas misturamos um estudo de aumento de preços dum cabaz geral (estudo este perfeito) e outro estudo do cabaz por rendimentos (também perfeito). Aqui teriamos obrigatoriamente que a média sobre os rendimentos não coincidiria com o IPC!

Posso facilmente arranjar um exemplo numérico, se quiser

É a própria metodologia que está "errada", logo não podemos concluir nada daqui, mesmo admitindo que o inquérito ás famílias é perfeito.

E atenção as minhas críticas no post, não passam só por aqui. Outros erros incluem o uso da variação homóloga num só mês . O jornalista poderia facilmente ter usado inflação ao longo de vários anos, ou então a inflação média, mas não o faz por razões óbvias: Usa o mês em que a inflação homóloga foi mais alta nos últimos tempos, e assim consegue empolgar sensacionalisticamente os números, os tais 3,6% (quando o que deveria estar em causa deveria ser o hiato pobres-ricos e não os 3,6%).
Outro erro: dar importância ao hiato 0,5 pp, quando é sabido que aqueles valores estão cheios de erros, que a metodologia não é correcta, e que muitos dos valores que usa têm enormes saltos de mês para mês.

Cumps
De Rodrigo a 23 de Abril de 2008 às 11:50
Caro Miguel

Concordo inteiramente consigo e percebi o seu ponto desde o início. Aliás, sobre a inconsistência dos cabazes e a utilização da inflação homóloga de Março em vez de outras eventualmente mais adequadas estou consigo a 100%.

Também não vou usurpar a sua expressão "brincadeira no Excel" por ter direitos de autor mas ambos sabemos que assim é. Mas não poderia ser de outra forma num jornal. Este tipo de estudos não são feitos por jornalistas em 24 horas. Dir-me-á, e com razão, que talvez então o jornalista devesse ter optado por não o fazer. É verdade.

Em relação aos cabazes, também concordo integralmente consigo quando fala da inconsistência (de base) da análise. Ou seja, os cabazes não coincidem entre o IPC e os inquéritos aos orçamentos e depois usam-se as mesmas variações homólogas nos dois. Sem dúvida. Conceptualmente está errado.

O que eu disse, e mantenho porque me parece interessante, é que pode ser mais um sinal da necessidade de rever o cabaz do IPC por este não ser representativo. Dir-me-á, com razão, que não há cabazes perfeitos. Concordo. Mas há uns melhores que outros. E Portugal sempre teve alguns problemas nesse aspecto relacionados com a habitação por causa do mercado de arrendamento deficiente que temos.

Cumprimentos
De Miguel Carvalho a 28 de Abril de 2008 às 10:31
Caro Rodrigo,

Acho que concordamos no essencial, e adivinhou a minha resposta ao problema de um estudo destes necessitar de muito trabalho. Obviamente não espero que um jornalista o faça detalhadamente, apenas espero que não abuse nas suas conclusões, como aqui foi feito.

Para concluir, e também para quem ficou perdido no meu post, queria apenas resumir as razões pelas quais acho que não se pode tirar conclusões a partir deste artigo do Público sobre a desactualização do IPC (atenção, eu não quero de modo nenhum defender o mérito do IPC!). São basicamente três, e todas válidas independentemente das outras 2.

1. O estudo usa dados do IPC. Logo se o IPC está errado, os valores do Público também estão errados, logo não se podem concluir nada deles.
2. Aqueles 3,3% em vez de 3,1% vêm da própria metodologia. É intrínseco do próprio modo de como o "estudo" foi feito, que resultem valores não compatíveis com o IPC (devido ao uso de valores agregados). Tanto poderia dar para cima, como para baixo. Para sorte do jornalista, neste caso deu para cima.
3. A discrepância pode vir de erros de valores do Inquérito às Famílias, que são menos precisos em termos de cabazes (por serem mais agregados) que o IPC. Por outras palavras, pouco nos garante que o erro esteja de um lado e não está no outro. Ou nos dois!

Cumps

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