Há dois aspectos negativos no actual crescimento económico português. A taxa de crescimento (se quisermos o crescimento do produto potencial,ou o crescimento de longo prazo) e a variação da taxa de crescimento (a chamada aceleração ou o abrandamento da economia, ou a variação da variação do PIB). Para que o pessoal do Público perceba, vou sublinhar com cores diferentes. Ambos têm neste momento comportamentos que deixam a desejar. A taxa é pouco mais de 1%, e ela vai decrescer em relação a 2007.
O Público confunde hoje as duas coisas no seu principal título, inventando uma suposta contradição entre o que o Governo e o FMI dizem. O que o Governo tem dito é que o crescimento este ano vai ser mais baixo do que no ano passado (variação da taxa) devido a factores externos. E o que o FMI diz é que a taxa é baixa devido a factores internos.
Embora o próprio texto do Público misture as duas coisas várias vezes, a variação da taxa é claramente referida: "O FMI afasta, deste modo, a tese que tem vindo a ser defendida, nomeadamente pelo Governo, de que o abrandamento económico apenas é provocado pela conjuntura internacional".
O que diz então o FMI sobre a variação da taxa? "Growth will likely slow in 2008 to about 1¼ percent, and to about 1 percent in 2009, driven by weaker partner country growth, the international financial turbulence, and higher commodity prices".
Três causas do abrandamento:
1. Parceiros, logo externo
2. Finanças internacionais, logo externo
3. Preços das matérias primas, logo externo.
Externo, externo, externo.
Bolas! O FMI bem poderia ter falado com o Sérgio Aníbal de antemão para saber o que o Público queria ter na capa de hoje.
Dito de um modo mais "em economês", o FMI fala de problemas estruturais, o Público pega neles para justificar abrandamentos conjunturais.
Nota habitual: não estou a querer afirmar que o Governo tem ou deixa de ter razão. Apenas que a contradição, que o Público inventa, não existe.
Miguel: Boa desmontagem de um enviesamento não inocente. Bravo
Tem razão no essencial e a questão está muito bem explicada. Mas quando o PM Sócrates afirmou em entrevista recente que a crise interna estava resolvida (graças à acção do seu governo) e agora estávamos a braços apenas com a crise importada, seria de esperar que o abrandamento provocado pela crise internacional fosse, pelo menos substancialmente, compensado pela resolução da crise interna, o que parece não se ter verificado. O que acontece é que a nossa debilidade (interna) faz com que a crise externa provoque em Portugal consequências mais graves do que noutros países.
Caro Freire de Andrade
Como sabe bem, este não é um blog de opinião e muito menos de opiniões sobre opiniões. O que o PM disse noutras ocasiões, por mais absurdo que tenha sido (eu não vi a entrevista), não invalida o erro que aponto ao Público. Um dos problemas que temos em apontar "disparates" aos políticos é eles falarem sempre em termos subjectivos. O que é isso da "crise" e do "fim da crise"? Sinceramente não sei o que é que isso quer dizer objectivamente.
Agora, só por curiosidade, porque diz que as consequências são mais graves cá?
Cumprimentos!
Não tenho dados à mão, mas tenho visto que a desaceleração do crescimento do PIB, o aumento do défice externo e outros índices têm mostrado valores mais desfavoráveis em Portugal do que na maioria dos países da UE, daí, como o nosso mau desempenho é atribuído à crise externa, eu concluir que as consequências são mais graves cá.
Ainda a propósito, aproveito para notar que a mesma confusão de sempre entre diminuição da grandeza e abrandamento da taxa de crescimento já tinha aparecido também no Público no Destaque sobre previsões do Banco de Portugal no dia 16, concretamente nas legendas dos gráficos:
Onde diz “As famílias vão abrandar o consumo…” vê-se pelo gráfico que a previsão da variação, isto é, neste caso o crescimento, do consumo é de 1,3 em 2208 e de 0,7 em 2009. Portanto o consumo deve continuar a crescer, só que menos. O que abranda não é o consumo, é o seu crescimento. É grave, porque já era raquítico, mas não é o que se diz.
A seguir afirma “… as empresas vão investir menos…” e logo a seguir “… com menos exportações…” Ora tanto num caso como no outro continua a mesma confusão e no 1.º a variação até aumenta, quer dizer, há uma aceleração, embora ligeira, no investimento, passando a variação de 1 em 2008 para 1,2 em 2009 (No texto esclarece que o investimento em habitação vai mesmo cair e que no investimento público se espera uma terá uma estabilização. Não parece possível, portanto, que o investimento das empresas diminua). No segundo caso (exportações) há uma desaceleração de 4,4 para 4, mas não uma diminuição.
Além disso, o gráfico da variação do PIB para mostrar a divergência da Europa t5em as legendas das curvas “Portugal” e “Europa” trocadas.
Nos textos que acompanham a reportagem há menos incorrecções, mas mesmo assim diz “Menos exportações”, quando, a acreditar nos gráficos, as exportações aumentam sempre.
De facto isso está cheio de erros.. Vou procurar o texto.
Quanto ao "abrandamento" do consumo, eu e o Pedro Bom já tivemos um conversa sobre o "abrandar". É obviamente uma palavra que induz muitos leitores em erro, mas é complicado dizer que é errado. Quando eu digo que um carro "abranda" quero dizer que reduziu a velocidade. E como somos picuinhas nas nossas picuinhices, optámos por fechar os olhos.
Ainda há outra coisa que me irrita profundamente quando se usa o "abrandar", palavra que tem sempre um sentido pejorativo. Seja em que economia for, a mais forte ou a mais fraca do mundo, estatisticamente vai haver metade dos meses em que X abranda (queda da variação) e outra metade onde X acelera. Ou seja, até numa economia a crescer como a chinesa, o sensacionalismo barato teria um título estrondoso garantido em metade dos meses...
De Jazp a 21 de Julho de 2008 às 12:04
Para o Miguel ler com atenção sobre o que o FMI diz, concordando com a "parcialidade" com que o PUBLICO "lê" as notícias a verdade é que é esta a análise que o FMI faz no art IV a Portugal:
"The deteriorating global economic environment is hampering Portugal's recovery, but the fundamental problems restraining Portugal's economy are home-grown: wide current account and fiscal deficits; high household, corporate and government debt; and, a substantial competitiveness gap. Portugal has been living beyond its means for many years, borrowing via the banking system from the rest of the world, raising external indebtedness. But while EMU participation changes the nature of the external constraint, it does not eliminate it: the accumulation of net external liabilities cannot continue indefinitely. Solving this fundamental problem requires all sectors of the economy to adjust and save more. Unless productivity is raised, the burden of adjustment will fall on consumption and investment. Policies need to foster this adjustment, forestalling potentially more disruptive scenarios. The weaker global conditions should thus not be taken as a reason to resort to "quick fixes," but to strengthen efforts to reignite the stalled convergence process: continuing fiscal consolidation and reform; keeping the financial sector sound; and raising the economy's supply capacity and improving its competitiveness."
Caro Jazp
Claro que sim! Eu li o texto do FMI com atenção... esse parágrafo até está citado no Público.
A questão é que esse parágrafo é sobre problemas ESTRUTURAIS, sobre crescimento sustentado de longo-prazo. Aí é claro, o FMI diz que o problema é interno.
Traduzindo por números, as razões pelas quais temos crescido apenas 1% em média nos últimos anos, em vez de 5%, são causa internas.
Agora o governo nunca disse nada em contrário. O governo apenas se queixou da descida momentânea do crescimento, que por definição depende de questões CONJUNTURAIS.... e esses problemas conjunturais são, de acordo com o FMI, todos externos.
Traduzindo por números, as razões pelas quais ESTE ANO vamos crescer 1,5% em vez de 2,5%, são externas.
Repito o que escrevi. Eu NÃO estou a dizer que não há problemas internos. Não existe é a contradição entre FMI e governo, que o Público inventa.
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