Domingo, 14 de Setembro de 2008
"Preços das casas começam a cair", diz o Expresso. Vasculhei o artigo à procura da uma base de suporte desta afirmação e não encontrei uma única! Alguém ajuda? Nem dados, nem referência a fontes onde os possamos encontrar, não encontrei nada. Fala-se de especulações, de sobreavaliações, que está difícil vender, que se fazem grandes descontos, de isto e daquilo, mas justificar aquela afirmação... nada. Não havia mais nada para pôr no título?
Quarta-feira, 14 de Maio de 2008
Já estamos todos fartinhos de ver isto. Os jornalistas gostam muito de brincar com as palavras dos entrevistados até conseguirem com elas um sentido mediático que originalmente não tinham. Depois chapam-nas no título, claro. Ora vejam lá esta do Expresso, que "cita" em letras garrafais Pedro Passos Coelho, candidato à liderança do PSD: "Não sei se será pior Ferreira Leite ou Santana". Bem, só falta o ponto de exclamação no fim para dar mais ar de quem já partiu ao ataque: "é que são os dois tão maus, mas tão maus, que eu nem sei quem é pior!", ou, como diria o Fernando da padaria: "xiii, venha o diabo e escolha!". E como é que o Expresso saca tão estrondosa "afirmação" de Pedro Passos Coelho? Então, nada mais fácil, perguntam-lhe: "Quem é que pior, Ferreira Lopes ou Santana Lopes?". E ele responde: "Não sei".
Quinta-feira, 8 de Maio de 2008
O Expresso do último Sábado dedica duas páginas à crise alimentar, em particular à escalada de preços dos cereais e à consequente subida do preço do pão. Depois tem uma coluna lateral à página 3 onde se lê no título: "Fazer pão em casa, moda ou necessidade?". Isto porque parece que há por aí muito português a comprar máquinas de fazer pão, e o Expresso especula se a razão não será o aumento do seu preço. Pergunto-me: Então mas essas máquinas não precisam de cereal para produzir pão? E o preço desse cereal não sobe como o do outro? Com a breca, tanta tinta gasta com os preços dos cereais, que fazem inevitavelmente subir o preço do pão e mais não sei quê, e depois os portugueses compram máquinas porque o pão está caro... Arre.
Terça-feira, 6 de Maio de 2008
A capa do Expresso deste sábado brindava-nos com umas setas apontadas para cima legendadas com "Leite 74%, Arroz 71%", etc... Lá dentro percebíamos que aquelas subidas eram subidas em categorias específicas, sendo portanto totalmente falso que o Leite como classe de produtos tenha subido 74% em média (seja lá qual fosse a média) como a capa tenta dar a entender.
Terça-feira, 1 de Abril de 2008
O Editorial do Expresso do último Sábado consegue a proeza de conter em poucas linhas a maior parte dos disparates que têm sido ditos por aí desde que o Governo anunciou a descida do IVA para 20 por cento. Ora vejamos:
1. O erro habitual: "O anúncio da baixa do IVA em um por cento do IVA". Mais uma vez, confunde-se "por cento" com "ponto percentual". Já se tornou um hábito, ninguém liga. Em percentagem, o IVA descerá quase 5 por cento ((1/21)*100=4.76). O que é o mesmo que dizer que a taxa de IVA descerá 1 ponto percentual.
2. "Mas, no geral, a população reage com indiferença. Os bens essenciais, como o pão e o leite, sofreram aumentos de mais de 10% nos últimos meses. Os combustíveis é o que se sabe. Definitivamente, a baixa de 1% no IVA não se fará sentir no bolso dos consumidores". Deixem ver se percebi. Como há para aí produtos cujo preço sobe bastante, então um ponto percentual a menos de IVA não se nota nada. Ora, eu noto. Por um bem com preço-base de 100 euros, eu pagava 121 euros. Passarei a pagar 120 euros, pelo que poupo um euro. Se o preço deste bem se mantiver no próximo ano, eu continuarei a poupar esse euro em relação à situação presente de IVA a 21 por cento. Mas se o preço-base deste bem aumentar escandalosamente 10 por cento, para 110 euros, eu pagaria então 133.1 euros. Com o IVA a 20 por cento, pagarei apenas 132 euros, pelo que poupo ainda mais: 1.1 euros. Não se faz sentir no bolsos dos consumidores? No meu faz.
3. "Ninguém sentirá benefícios, salvo talvez algumas empresas". Outro disparate. Todo, mas mesmo todo, o dinheiro que o Estado deixará de receber devido à descida do IVA será um benefício dos privados. Num dos extremos (sectores pouco concorrenciais), o preço final dos produtos ficará inalterado e as empresas apropriar-se-ão do valor correspondente à descida do IVA. No outro extremo (sectores mais concorrenciais), o preço final descerá e o benefício irá integralmente para os consumidores. Mais para um lado ou mais para o outro, a realidade estará algures entre estes dois extremos. Mas, consumidores ou produtores, serão sempre os privados a beneficiar da totalidade dos efeitos desta descida. Resta saber como serão distribuídos.
Sábado, 8 de Março de 2008
Eu e o Miguel interrogávamo-nos esta tarde sobre a razão pela qual a comunicação social trata os resultados de estudos científicos com uma certeza e um determinismo que não são sequer reclamados pelos próprios autores desses estudos. Exemplo recente: o estudo que contestou a eficácia do Prozac no tratamento de doenças do foro psíquico. Se diz que não faz nada é porque nada faz, ponto final. Certo? Errado. Ninguém se lembra que, antes desse, outros estudos foram feitos, com conclusões diferentes, e outros virão com conclusões também diferentes. Quem tem algum conhecimento de estatística percebe que uma coisa chamada "erro amostral " impede que possam ser tiradas conclusões determinísticas em estudos estatísticos. Existe sempre alguma aleatoriedade inerente ao processo de amostragem e, por conseguinte, os resultados vêm sempre na forma de intervalo de confiança, ou algo equivalente. Aliás, este estudo sobre o Prozac consiste na combinação de resultados de outros estudos - todos eles diferentes - para tentar precisamente diminuir esse intervalo de confiança e chegar a resultados mais precisos (mas, ainda assim, meramente probabilísticos).
Vem isto a propósito do artigo do João Silvestre (JS) no caderno de economia do Expresso de hoje, onde nos fala de um estudo elaborado por Miguel St. Aubyn e António Afonso sobre os efeitos do investimento público no PIB real e no investimento privado, em 17 países da OCDE - incluindo Portugal. Escreve ele, logo na capa, que "o investimento público compensa". Não sei se compensa ou não, mas não só os autores do estudo não o dizem como nem sequer os resultados o permitem concluir. O verbo "compensar" comporta em si demasiadas dimensões (incluindo a social) e compensa ser cientificamente prudente. Se é ao retorno meramente económico que JS se refere, pois bem, os números do estudo dizem que até é negativo no longo prazo: 1 euro investido publicamente não chega a ser totalmente recuperado - o que acontece, aliás, com metade dos países analisados.
Depois, diz-nos que o estudo conclui que Portugal é o país dos quinze da UE (antes do alargamento) onde o efeito do investimento público no PIB e no investimento privado é maior. Primeiro, não são quinze, são catorze - o Luxemburgo não foi incluído. JS sabe disso e até o diz no texto, mas nada remove os "quinze" do subtítulo. Segundo, li e reli as conclusões do estudo e não encontrei essa tal. E não está lá porque os autores sabem que não o podem dizer. E não o podem dizer porque sabem que as estimativas a que chegaram são meramente probabilísticas. Embora as estimativas apontem nesse sentido, as amostras são muito pequenas, a aleatoriedade é muito grande e, portanto, é melhor ser prudente.
Aliás, não é preciso sequer passar do sumário executivo para ler o seguinte alerta dos autores, e cito (tradução minha): "Estes efeitos correspondem a estimativas pontuais e a sua interpretação tem de ser cuidadosa, pois os intervalos de confiança a 95 por cento incluem o valor zero em todos casos". Ou seja, nem sequer é líquido que exista um efeito positivo do investimento público sobre o PIB, quanto mais ser o maior dos catorze. JS prefere ignorar a advertência, é muita prudência para a sua camioneta, e certezas inabaláveis serão com certeza jornalisticamente mais convenientes. Em ciência todo o cuidado é pouco, em jornalismo nenhum cuidado é muito.
[Adenda: Ainda assim, parabéns ao JS por procurar e divulgar literatura económica que doutro modo não chegaria ao conhecimento da generalidade do público, ao contrário do estudo do Prozac, que fez um furor desmesurado por tudo o que é jornal]
Sábado, 9 de Fevereiro de 2008
O Expresso Economia escreve hoje num subtítulo "A TAP continua a ser a pior companhia aérea da Europa em perda e extravio de bagagens" (sublinhado do Expresso).
1. Os media adoram usar a expressão "continua a" quando estão em causa más notícias, sem nunca se dar ao trabalho de verificar se no ano anterior aquele resultado realmente aconteceu. Não há uma única referência a tal na longa notícia.
2. A TAP ficou sim em último num estudo com 26 empresas. Como é óbvio o jornalista em causa não tem a mínima noção do mercado das transportadoras aéras na Europa, onde existem centenas de empresas a operar. Logo é extremamente abusivo concluir que a TAP é a pior dessas centenas quando só há dados para 26.
Segunda-feira, 21 de Janeiro de 2008
O Expresso diz este sábado na capa que os "Profs perderam 12% do salário em 8 anos". Não me dando ao trabalho de verificar os números, reparo em dois erros na análise.
- Embora o título e o texto se refira à generalidade dos professores, nas letrinhas pequeninas no gráfico ficamos a saber que só foram verificados os professores em topo de carreira. Ora eu conseguiria facilmente encontrar 1000 portugueses que em 8 anos viram o seu salário duplicar, mas não seria sério concluir daí que os portugueses no seu todo tiveram uma duplicação. Aqui a escolha do escalão mais alto não é inocente. Tem sido política nos últimos anos dar aumentos percentuais maiores aos escalões mais baixos (o próprio texto o refere a propósito do congelamento de salários), logo o topo da carreira tem sido penalizado em relação à média. Não se pode portanto generalizar estes 12%.
- Os valores em causa são do vencimento bruto. Eu continuo sem saber o que é o "poder de compra", mas salário bruto não é exactamente o que pensamos quando nos referimos a "poder de compra", que imagino estar mais associado ao salário líquido. E a diferença neste caso é importante, porque se houve aumentos de salários abaixo da inflação esperada e os escalões do IRS foram actualizados ao nível da inflação esperada, houve quem tenha saltado de escalão, resultando numa diminuição percentual menor do salário líquido do que do salário bruto - ou maior já que ao longo deste período houve várias mexidas nos escalões, nomeadamente a introdução de um escalão de 42%.
Alguém do Expresso escreveu na última página "Economia piora", e, por baixo, "A situação económica nacional voltou a agravar-se em Dezembro", e ainda, "O indicador coincidente do Banco Portugal está em queda desde Outubro". Só disparates. O que realmente está em queda desde Outubro é a
taxa de variação homóloga deste indicador, como consta do Quadro 5 do relatório de
Indicadores da Conjuntura do Banco de Portugal. Acontece que esta mesma taxa foi sempre positiva ao longo de 2007, Dezembro incluído, o que significa que o indicador coincidente da conjuntura económica do Banco de Portugal não está a diminuir, simplesmente aumentou menos, em termos homólogos, que no mês anterior. Portanto, Sr(a). Jornalista do Expresso que escreve estes disparates, se me está a ler, isto não significa que a "economia piorou", significa tão só que a actividade económica desacelerou. Será assim tão difícil de entender?
Nota: Um indignado leitor alerta para o facto de o indicador coincidente do Banco de Portugal ser por definição uma taxa de variação homóloga. Definir o indicador como um indíce (nível) ou como uma taxa de variação (como parece ser o caso) é completamente irrelevante. O que é relevante é que os números em questão (chamando-lhes indicador coincidente, ou, como eu, taxa de variação do indicador coincidente) representam variações percentuais homólogas. E, sendo positivos, não permitem concluir que a situação económica é pior (atenção: a questão do desemprego é de enorme importância mas não entra neste debate), por mais descontentes que estejamos com o rumo das coisas. Portanto, com o fraseado devidamente ajustado, a crítica ao artigo do Expresso mantem-se intacta.
Sábado, 19 de Janeiro de 2008
Tenho feito um esforço para me informar sobre qual o gás que assustou meia Lisboa. Debalde.
O disparate foi generalizado, tendo a maioria da comnicação social concluído que se tratou de um "composto misterioso" que tinha enxofre na sua "estrutura molecular".
O Expresso de hoje é um pouco mais explícito: foi "sulfato de hidrogénio"! Mas infelizmente, sulfato de hidrogénio é coisa que não existe. Um sulfato é um sal derivado do ácido sulfúrico cuja molécula é constituída por um radical sulfato ligado a um metal. Se em vez de lá estar o metal estiver hidrogénio, então estamos em presença de um composto que deve ser chamado ácido sulfúrico.
Mas o Expresso adianta que é o gás que entra na composição das bombinhas de mau cheiro. Ah agora sim! Se cheira a ovos podres então é SH2 ou seja ácido sulfídrico, também designado por gás sulfídrico, sulfureto ou sulfeto de hidrogénio.
Qualquer estudante de química reconhece o cheiro.