Sábado, 8 de Novembro de 2008

Os lisboetas? De certeza? Certezinha?

É hoje noticiado no Público que participaram numa consulta pública da Câmara de Lisboa cinco centenas de pessoas (lisboetas e não só, e 290 das quais homens), e que, com base nessa consulta e nas preocupações expressas, serão gastos 5 milhões de euros. 

 

Ora, desta vez a representatividade da "amostra" pode ser posta em causa não tanto pela sua dimensão e estrutura face à heterogeneidade e dimensão da população "lisboeta", mas porque, parece-me a mim, existem motivos para suspeitar que esta sofre de um problema de auto-selecção.

 

Por outras palavras, a amostra não é aleatória se diferentes lisboetas tiverem incentivos diferentes para participar na consulta (e à partida, têm), podendo, portanto, reflectir unicamente as suas opiniões e não as da população em geral.

 

E se todos os lisboetas que participaram na consulta são residentes na Lapa? Ou no Bairro Alto?

 

Ou seja, é de duvidar -- com a informação que nos é dada -- que se possa dizer que aquelas são as preocupações dos "lisboetas". Sejam os jornalistas ou o presidente da Câmara a dizê-lo.

 

 

Nota: clicar aqui ou aqui para saber mais sobre problemas de auto-selecção na participação e deliberação públicas em sociedades democráticas.

 

 

publicado por Carlos Lourenço às 09:57
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Terça-feira, 24 de Junho de 2008

Noves fora nada

Para que da análise de uma amostra de indivíduos se tirem conclusões para a população de indivíduos de onde essa amostra provém, é necessário que a amostra verifique, pelo menos, duas condições: seja aleatória e representativa.

 

A aleatoriedade significa que todos os elementos da população têm uma probabilidade não nula de ser seleccionados para a amostra. A representatividade significa que a estrutura da amostra respeita a estrutura da população nas suas características principais, nomeadamente naquelas que se esperem estar relacionadas com o tópico em estudo.

 

Ora, a notícia do Diário Económico de hoje, em letras garrafais na primeira página, é um insulto grosseiro aos mais elementares princípios estatísticos que permitem a formulação de conclusões sobre uma população a partir de uma amostra.

 

Concluir e afirmar categoricamente no título da notícia em primeira página, e novamente no início do texto, que “os empresários portugueses apoiam obras públicas”, tendo por base uma amostra de 20 empresários contactados pelo jornal, que muito dificilmente representam a população de “empresários portugueses”, é de provocar urticária.

 

Pior ainda: como se não bastasse o facto de a amostra de 20 empresários muito dificilmente ser (aleatória e) representativa da população, lê-se depois no texto que, afinal, apenas 9 daqueles empresários “apoiam” sem reservas os projectos públicos previstos.

 

Ou seja, não só seria errado concluir para a população fosse o que fosse com esta amostra, como ainda por cima a conclusão, mesmo que apenas para a amostra, está errada. Mais de metade dos empresários contactados apoia com reservas ou não apoia os projectos públicos.

 

Das duas uma: ou os erros de análise do jornal são cometidos sem consciência dos mesmos ou, não o sendo, não é ingénuo não querer noticiar a “não-notícia” de que 9 empresários portugueses apoiam obras públicas.

publicado por Carlos Lourenço às 09:08
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Terça-feira, 9 de Outubro de 2007

A manifestação e as sondagens

(mais um artigo, desta feita publicado a 13 de Março de 2007 no então 'Economia' do DN pelo mesmo autor, aqui republicado a fazer novamente jus à génese do 'A Pente-Fino')

 

A manifestação contra as políticas PS organizada pela CGTP no passado dia 2 foi considerada "a maior de todos os tempos", reunindo em Lisboa 120 mil pessoas (dados da PSP). No entanto, o Barómetro da Marktest uma semana antes e o estudo da Eurosondagem no mesmo dia da manifestação, revelavam (1) que as intenções de voto reforçam a maioria absoluta ao PS e (2) a enorme popularidade de José Socrates. Existirá aqui, como sugerem algumas opiniões, algum paradoxo? Analisemos então os dois factos à luz dos conceitos de aleatoriedade e representatividade.

A manifestação não é aleatória, ou seja, os manifestantes não foram (e em rigor nem o podiam ser) escolhidos aleatoriamente. A este respeito, há a considerar, entre outros, um problema de auto-selecção, isto é, existem pessoas com maior motivação e em melhores condições (mais tempo, p.ex.) para participar em manifestações do que outras. Desde logo, reformados e desempregados, e ainda os que estarão sempre disponíveis para qualquer manifestação seja ela qual for, seja porque daí retiram algum prazer ou, como neste caso, por fidelidade/compromisso sindical. E a manifestação não é representativa da população portuguesa, activa ou não. Não o é em termos geográficos nem em termos de estratos sociodemográficos. E afectando ambos, claramente, não o é também em termos políticos: foi uma manifestação da CGTP, a Intersindical apoiada pelo PCP.

Quanto às sondagens, apesar da sua suposta garantia de aleatoriedade, esta não é perfeita. Se mais razões não houvesse, tome-se apenas o simples facto de as listas de onde são escolhidos os entrevistados conterem erros. Ou seja, os portugueses não têm todos a mesma probabilidade de serem seleccionados para a amostra. No entanto, parte desta imperfeição nas sondagens é tida em conta no cálculo do erro amostral e na estipulação de um intervalo de confiança. Mas o mais importante é que as sondagens (ou qualquer estudo baseado numa amostra) sejam representativas da população em análise. E à partida não existe razão para se suspeitar que o não são.

Assim, não parece existir aqui nenhum paradoxo. Não, como erradamente se possa pensar, por uma diferença na magnitude dos números, isto é, o facto de 120 mil manifestantes serem uma minoria quando comparados com o total de portugueses, mas por uma diferença no que os números representam. Os manifestantes não são representativos da população portuguesa (nem aleatórios), enquanto as sondagens, mesmo que baseadas num número de entrevistas incomparavelmente menor - cerca de mil -, assentam em pressupostos estatísticos que permitem generalizar os resultados amostrais para a população em causa.

Se deve ou não prestar-se atenção a qualquer um dos factos e quais as ilações que deles se podem retirar, essas são outras questões.

publicado por Carlos Lourenço às 13:35
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