Terça-feira, 15 de Julho de 2008
"Desvendada a "máquina" do vírus da malária", anuncia a capa do Público. Bom, a malária não é causada por um vírus mas por um parasita protozoário. Felizmente a jornalista que escreve a reportagem não repete o erro no seu texto, e diga-se em abono da verdade que não vem grande mal ao mundo por (mais) este erro na capa do Público. É apenas mais um exemplo da ligeireza e falta de rigor com que se fazem capas de jornais.
Sábado, 28 de Junho de 2008
Marte poderá mesmo ter vida, diz o Portugal Diário. Quando se lê o texto, percebe-se que a novidade é a descoberta de alguns nutrientes que existem no solo terrestre, não há absolutamente nada sobre a existência de "vida". A própria fonte da notícia, a BBC, diz apenas Martian soil 'could support life'.
Mas não custa nada alterar umas palavrinhas e apimentar a história... ninguém liga.
Quarta-feira, 2 de Abril de 2008
Os meios de comunicação comuns são uns peritos em disparates quando se trata de ciências naturais, e infelizmente têm sido poucos os exemplos que têm passado aquilo pelo blogue.
Hoje o Portugal Diário
diz a propósito de um buraco negro que "
o núcleo foi tão intensamente compactado que ficou com um diâmetro de apenas 24 km".
Não faz sentido medir o tamanho de um "núcleo" de um buraco negro! Classicamente até se chama(va)
singularidade ao centro de um ponto negro, exactamente porque é um ponto infinitamente minúsculo. Ou seja nem 24mm quanto mais 24km. (Há sim raios associados aos buracos negros, mas não do seu núcleo).
Também é dito que "
o buraco negro aparece quando acaba o combustível da estrela que lhe deu origem e o seu núcleo implode, encolhido pela sua própria acção gravitacional".
Bom, os "combustíveis" não dão origens a estrelas nem o "fim" do "combustível" implica a criação de um buraco negro, mas enfim.
Sábado, 8 de Março de 2008
Eu e o Miguel interrogávamo-nos esta tarde sobre a razão pela qual a comunicação social trata os resultados de estudos científicos com uma certeza e um determinismo que não são sequer reclamados pelos próprios autores desses estudos. Exemplo recente: o estudo que contestou a eficácia do Prozac no tratamento de doenças do foro psíquico. Se diz que não faz nada é porque nada faz, ponto final. Certo? Errado. Ninguém se lembra que, antes desse, outros estudos foram feitos, com conclusões diferentes, e outros virão com conclusões também diferentes. Quem tem algum conhecimento de estatística percebe que uma coisa chamada "erro amostral " impede que possam ser tiradas conclusões determinísticas em estudos estatísticos. Existe sempre alguma aleatoriedade inerente ao processo de amostragem e, por conseguinte, os resultados vêm sempre na forma de intervalo de confiança, ou algo equivalente. Aliás, este estudo sobre o Prozac consiste na combinação de resultados de outros estudos - todos eles diferentes - para tentar precisamente diminuir esse intervalo de confiança e chegar a resultados mais precisos (mas, ainda assim, meramente probabilísticos).
Vem isto a propósito do artigo do João Silvestre (JS) no caderno de economia do Expresso de hoje, onde nos fala de um estudo elaborado por Miguel St. Aubyn e António Afonso sobre os efeitos do investimento público no PIB real e no investimento privado, em 17 países da OCDE - incluindo Portugal. Escreve ele, logo na capa, que "o investimento público compensa". Não sei se compensa ou não, mas não só os autores do estudo não o dizem como nem sequer os resultados o permitem concluir. O verbo "compensar" comporta em si demasiadas dimensões (incluindo a social) e compensa ser cientificamente prudente. Se é ao retorno meramente económico que JS se refere, pois bem, os números do estudo dizem que até é negativo no longo prazo: 1 euro investido publicamente não chega a ser totalmente recuperado - o que acontece, aliás, com metade dos países analisados.
Depois, diz-nos que o estudo conclui que Portugal é o país dos quinze da UE (antes do alargamento) onde o efeito do investimento público no PIB e no investimento privado é maior. Primeiro, não são quinze, são catorze - o Luxemburgo não foi incluído. JS sabe disso e até o diz no texto, mas nada remove os "quinze" do subtítulo. Segundo, li e reli as conclusões do estudo e não encontrei essa tal. E não está lá porque os autores sabem que não o podem dizer. E não o podem dizer porque sabem que as estimativas a que chegaram são meramente probabilísticas. Embora as estimativas apontem nesse sentido, as amostras são muito pequenas, a aleatoriedade é muito grande e, portanto, é melhor ser prudente.
Aliás, não é preciso sequer passar do sumário executivo para ler o seguinte alerta dos autores, e cito (tradução minha): "Estes efeitos correspondem a estimativas pontuais e a sua interpretação tem de ser cuidadosa, pois os intervalos de confiança a 95 por cento incluem o valor zero em todos casos". Ou seja, nem sequer é líquido que exista um efeito positivo do investimento público sobre o PIB, quanto mais ser o maior dos catorze. JS prefere ignorar a advertência, é muita prudência para a sua camioneta, e certezas inabaláveis serão com certeza jornalisticamente mais convenientes. Em ciência todo o cuidado é pouco, em jornalismo nenhum cuidado é muito.
[Adenda: Ainda assim, parabéns ao JS por procurar e divulgar literatura económica que doutro modo não chegaria ao conhecimento da generalidade do público, ao contrário do estudo do Prozac, que fez um furor desmesurado por tudo o que é jornal]
Terça-feira, 15 de Janeiro de 2008
Há um erro constantemente repetido em artigos sobre ciência que é a má distinção entre
descobrir e
inventar. Segundo o dicionário inventar significa "criar no pensamento", "ser o primeiro a ter a ideia de", enquanto descobrir significa
"achar, encontrar (coisa desconhecida)". Os médicos
não inventam novas estirpes de doenças (bom, talvez alguns laboratórios genéticos o façam) e
não descobrem novos métodos de tratamento (não andam a passear e descobrem um tratamento no chão).
Hoje no
Público online fala-nos sobre "
uma descoberta publicada pela Nature Medicine poderá finalmente permitir o fabrico de órgãos artificiais para transplantes". Até poderia ser uma descoberta que tivesse facilitado este fabrico, mas mais à frente temos uma citação que diz "
O que fizemos foi simplesmente pegar nos tijolos de construção da própria natureza para construir um novo órgão"... ou seja trata-se de uma invenção de um novo método de "engenharia de tecidos".