A frequência com que Rudolfo Rebêlo, jornalista do DN, repete, semana após semana, os mesmos disparates nos seus artigos (supostamente) económicos começa a ser muito preocupante. O festival de hoje começa com as contradições do costume:
1. Primeiro lê-se: "Economia portuguesa deverá crescer 1,6% em 2008, com as famílias a reduzirem o consumo de bens". Depois lê-se: " Este ano, o consumo cresce apenas 1,4%". Em que ficamos, caro Rudolfo? Eu sei que ficamos na segunda, porque entretanto fui ver ao relatório, mas será suposto cada um dos leitores ir ao relatório da OCDE tirar as dúvidas que tu próprio crias?
2. Primeiro lê-se: "Portugal vai empobrecer ainda mais". Depois lê-se: "a economia portuguesa cresce 1,6% este ano". Então Rudolfo, "empobrecer"? Estamos 1.6% mais ricos e tu falas em empobrecimento. Sem dúvida, 1.6 pode ser pouco, nada, quase nada, razão para protestos em São Bento, para eleições antecipadas, para golpe de Estado, para fugirmos para o Brasil, para nos entregarmos à bebida, etc. Agora, "empobrecer" é... estúpido.
Depois ainda há mais alguns:
3. "O desemprego afectará quase 8% dos portugueses, o que ajuda a explicar uma travagem nas despesas com as compras". Primeiro, afectará 8% dos "portugueses"? A minha tia Conceição, 82 primaveras, também conta? E o meu primo Francisco, que acabou de entrar para a primária, também? Segundo, não, não ajuda a explicar coisa nenhuma. Apesar de alto, muito alto, está a descer. Devagarinho, muito devagarinho, mas está a descer (8% em 2007 e 7.9% em 2008, segundo a OCDE). Se me dissesses "desemprego alto explica consumo baixo", ainda aceitava. Agora, "desemprego alto explica desaceleração do consumo" já não pega. E, claro, "desemprego a cair (ainda que umas migalhitas) explica desaceleração do consumo", esta nem a minha tia Conceição engolia.
4. "Portugal consome mais do que produz". Isto é obviamente falso. O que é superior à produção é a despesa total, incluindo investimento. O que torna a balança fortemente deficitária e obriga a endividamento externo, pois claro.
Uma vez por mês, o Banco de Portugal (BP) revela informação "qualitativa" sobre o andamento da economia, que sintetiza no que chama "indicadores coincidentes". Uma vez por mês, pelo menos um órgão de comunicação social escreve disparates sobre essa informação. Felizmente, é só uma vez por mês, porque doutra forma não havia pente-fino que resistisse. Vejamos:
Capa do DN: "Consumo das famílias é o mais baixo desde 2003". No interior: "Consumo ao nível mais baixo em 5 anos". E, logo de seguida, para deixar claro que não se trata de meras simplificações de título: "O consumo das famílias caiu em Abril, pelo nono mês consecutivo, atingindo o valor mais baixo em cinco anos, (...) de acordo com os indicadores ontem divulgados pelo Banco de Portugal." Vou aos Indicadores da Conjuntura do BP, publicados ontem, e confirmo: o indicador coincidente do consumo privado (e não "consumo privado", porque para este ainda não há dados) em Abril passado é, de facto, não só negativo mas também o mais baixo desde 2003. E confirmo também o seguinte: lamentavelmente, o jornalista do DN que escreveu este artigo não faz a mínima ideia do que isto significa.
Como já escrevi aqui e aqui, o indicador vem na forma de taxa de variação homóloga. Ter registado o nível mais baixo desde 2003 significa que o crescimento (e não o nível!) do consumo privado foi o mais baixo desde 2003 (aliás, dado que foi negativo, o nível de consumo terá mesmo sido em Abril de 2008 menor do que em Abril de 2007). Só que, desde 2003 até o mês passado, o indicador coincidente foi sempre positivo (com uma provável excepção algures em 2005), pelo que o consumo privado esteve (quase) sempre a crescer.
Para ficar bem claro que o DN não sabe do que fala, temos ainda no parágrafo seguinte: "(...) a actividade económica abrandou, registando o pior valor dos últimos dois anos (Abril 2006)". Mais uma vez, o mesmo disparate, mas agora em relação à actividade económica. No entanto, com a notável agravante de o indicador coincidente da actividade económica ter sido sempre positivo desde 2006! Ou seja, segundo o indicador coincidente do BP, a actividade económica tem melhorado continuamente desde 2006, o que faz de Abril último o... melhor mês desde 2006. Dirão vocês que pode ser o caso do DN não saber a diferença entre "pior" e "melhor". Pois, é verdade, mas eu cá prefiro acreditar que não sabem antes interpretar os dados do BP...
Não perca a continuação deste episódio dentro de um mês.
Não sei o que dizer de jornalistas que escrevem pérolas destas. A propósito da revisão em baixa do crescimento do PIB pelo FMI, escreve alguém do Público (ou da Lusa) no primeiro parágrafo: "João Ferreira do Amaral disse hoje que 2008 será um ano de desaceleração económica europeia e portuguesa "significativa", mas defendeu que ainda "é muito cedo" para dizer que Portugal vai crescer abaixo da Zona Euro".
No terceiro parágrafo, nova citação, mesmo conteúdo: "É quase certo que a descaleração económica europeia e portuguesa [em 2008] vai ser significativa, isto é previsível. Mas é cedo para dizer que Portugal vai crescer abaixo da Zona Euro".
E o que escreve este(a) jornalista no segundo parágrafo? Isto: "O economista falava à agência Lusa após o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter revisto em baixa (de 1,8 para 1,3 por cento) as previsões de crescimento da economia portuguesa para este ano, antecipando que Portugal volte a crescer abaixo do ritmo dos seus parceiros da Zona Euro pelo sétimo ano consecutivo."
É que nem vale a pena o João Ferreira do Amaral insistir que é cedo para dizer se crescemos mais ou menos do que a média da Zona Euro, o(a) jornalista simplesmente não ouve/não sabe/não quer saber/não liga/faz que não liga/não lê a peça depois de escrever/não gosta de escrever três coisas certas consecutivamente (riscar o que não interessa). Ou então inventou uma nova fórmula de jornalismo: escreve-se uma coisa certa, depois um disparate, depois a mesma coisa certa, e ninguém topa o disparate...
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