No Público de hoje, o inacreditável. Lemos num título, e pasmamos, que "já não precisamos de recorrer ao crédito para nos endividarmos". E eu pergunto: mas que tipo de endividamento é que não implica recurso a crédito? Não será "endividamento", por definição, recurso a crédito?
Por momentos ainda pensei que pudesse estar a ser utilizada uma definição de "crédito" muito restrita, englobando apenas crédito bancário, por exemplo, mas excluindo outros tipo de crédito, como, por exemplo, o de tipo dívida de mercearia (que não deixa de ser crédito). Mas não. Reparem só no primeiro parágrafo da notícia: "Não conseguem pagar as despesas domésticas, os seguros, a creche ou a escola dos filhos, o condomínio ou a renda da casa, a conta na farmácia ou no supermercado do bairro. Não têm dívidas de crédito à habitação, automóvel, pessoal ou de qualquer outro tipo. São a nova classe de sobreendividados".
Ou seja, na cabeça de Ana Rita Faria, estes indivíduos têm a incrível capacidade de se "sobreendividarem" sem terem "dividas de qualquer tipo". Isto de um gajo se endividar---aliás, sobreendividar---sem se endividar é uma daquelas injustiças que deviam ser proibidas por lei. Ou isso ou proibir os jornalistas de atropelarem desta forma os conceitos lógicos mais elementares.
Segundo o Banco de Portugal, a dívida das famílias terá atingido no ano passado 129% do seu rendimento disponível, o que legitima o DN a escrever na capa da edição de hoje "Famílias gastam um terço a mais daquilo que ganham", certo? Errado!
Não, não me estou a referir ao facto de 29 não chegar a ser um terço de 100. Interessa-me antes notar aqui a confusão habitual entre variáveis 'stock' e variáveis 'fluxo', à semelhança do que o Óscar escreveu aqui a respeito de outros assuntos. Os 129% significam que a dívida total das famílias é 1.29 vezes superior ao seu rendimento disponível (ou seja, após impostos) anual. Mas 'dívida' é uma variável de stock, ou seja, é uma acumulação de défices ao longo do tempo. E 'despesa', como o DN refere na capa ("famílias gastam (...)"), é uma variável de fluxo, que ocorre num determinado período de tempo, ou seja, é o 'défice' dum determinado período. E estas duas coisas são obviamente diferentes: uma é a acumulação da outra.
Exemplo: Se eu gasto todos os anos 113 e o meu rendimento disponível anual é de apenas 100, então o meu orçamento terá um défice de 13 que terá de ser financiado com recurso a empréstimo. Se o meu rendimento e a minha despesa se mantiverem constantes e ignorarmos inflação e taxas de juro, ao fim de 10 anos eu terei uma dívida total acumulada de 130 (13 por ano). Vem o Banco de Portugal e diz que a minha dívida total é 130% do meu rendimento disponível, e estará cheio de razão: acumulei uma dívida de 130 e só recebo 100 por ano. E vem logo a seguir o DN e escreve na capa que eu gasto "mais um terço daquilo que ganho", certo? Errado: eu gasto apenas 13% mais daquilo que ganho.
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