Quarenta milhões podem perder emprego este ano no mundo diz um título do Público. Mas o texto explica que No quadro mais grave, o número de desempregados subiria para 230 milhões, mais 40 milhões do que os 190 milhões das estimativas existentes para 2008.
Estamos perante o erro da moda, confundir entradas (ou saídas) com o saldo de entradas e saídas. A acreditar no texto (a experiência mostra que é normalmente no título que está o erro) o saldo entre as pessoas que entram e que saem do desemprego serão 40 milhões este ano. Como haverá certamente muitos milhões que arranjarão emprego este ano, conclui-se que o número de pessoas que vão perder o emprego será muito maior do que os 40 milhões que o título dá a entender.
No DN de ontem, Rudolfo Rebêlo assina mais um artigo merecedor de destaque nesta antologia do disparate jornalístico.
1. A habitual confusão entre stocks e fluxos: "Agora, com a crise, o desequilíbrio das contas passa para os 3,9% da riqueza." O que o Rudolfo queria dizer é que o défice orçamental passa para os 3.9% do PIB. PIB e riqueza não são a mesma coisa. O primeiro é um fluxo, o segundo é um stock.
2. A habitual confusão entre pontos percentuais e percentagens, ao estilo do que foi escrito aqui: "Teixeira dos Santos, o ministro das Finanças, afirma que as medidas anti-crise custam 0,8 pontos percentuais do PIB." Não, não custam. Custam sim 0,8 por cento do PIB. O Rudolfo, que se vangloriava de não entrar nestas confusões entre percentagens e pontos percentuais, fica especialmente mal nesta fotografia.
3. A birra do Rudolfo. Há duas semanas, dizia-nos que o número de novos desempregados (90 mil) seria igual à destruição de empregos (50 mil) mais o número de pessoas que entravam no mercado de trabalho (40 mil) (ver aqui). Perante o nosso protesto de que se tinha esquecido de subtrair quem saía do mercado de trabalho, o Rudolfo riposta em comentário irritado que os 40 mil se tratava de um "saldo" e que estava em "defeito (e muito)". O leitor comum interroga-se então: se os 40 mil são um saldo (entradas menos saídas), porque razão os definiu o Rudolfo como "(jovens) que todos os anos - em média - terminam a escolaridade e tentam encontrar trabalho"? Isto soa a entrada, não soa lá muito a saída. Se o Rudolfo sabe que isto é um saldo porque é que não o diz claramente, em vez de inventar esta história de jovens-não-sei-das-quantas? Será que não percebe que está a induzir as pessoas em erro? E, já agora, se está em "defeito (e muito)", porque é que não dá o número correcto, em vez de insinuar que está propositadamente a divulgar um número exageradamente baixo?
Mas o mais grave de tudo isto é que o Rudolfo, na edição de ontem, decide insistir: "Isto significa que pelo menos 36 mil pessoas saem do mercado de emprego. A estes "números" haverá que somar pelo menos 40 mil pessoas que todos os anos tentam entrar no mercado de trabalho". Desta vez, com o verbo "entrar" bem evidenciado! Será que entrar inclui sair? Ou os 40 mil afinal não são líquidos, como o Rudolfo tinha dito? Caro Rudolfo, convém que se decida.
4. Finalmente, um novo termo económico: "há 36 mil pessoas a sair do mercado de emprego" Mercado de emprego?! E o mercado de desemprego, também existe? Ou será que o Rudolfo queria dizer mercado de trabalho? Ah, mas isso não pode, porque parte das pessoas que perdem o emprego continuam no mercado de trabalho à procura de outro, como o Rudolfo certamente sabe. Desisto, não sei o que é...
GOVERNO VAI FALHAR META DOS 150 MIL EMPREGOS diz Manuel Esteves no DN de hoje. Assim mesmo em maiúsculas, pelo menos na versão online. Quando os últimos números dizem que a criação líquida de emprego foi de 133,7 mil desde o início do legislatura, e ainda falta mais de um ano para o seu fim, este título chama a atenção.
1. Ao contrário do que seria de esperar de uma notícia, aquela afirmação não decorre dos números do INE, não é tirado de nenhum estudo ou projecção e não é sequer a opinião de algum especialista consultado. É pura e simplesmente a opinião pessoal do Manuel, que confunde opinar com informar. E repare-se no tempo verbal da afirmação. O título é apresentado como um dado adquirido, nem sequer é uma possibilidade.
2. O Manuel diz "o Governo criou, em termos líquidos, 86 mil postos de trabalho". Talvez tenhamos entrado numa economia comunista de planeamento central e eu não tenha reparado, porque o Governo, propriamente dito, só tem destruído emprego em termos líquidos.
3. Apesar de o governo ter entrado em funções no primeiro trimestre de 2006, o Manuel - ao contrário de toda a gente - vai fazer a comparação com o segundo trimestre, daí os tais 86 mil. Ele sente a necessidade de se justificar dizendo (e bem) que se deve comparar os valores de trimestres homólogos. Só que a meta do Governo era o emprego criado desde o início da legislatura. Pode dizer-se que foi manha do Governo (e eu concordo) ao escolher como base de comparação um trimestre com números de emprego baixos, agora não se pode contrariar alhos com bugalhos. Não se pode contrariar um valor, por mais estapafúrdio que seja, com um valor ao lado. Se o objectivo do Benfica era alcançar os 70 pontos não posso dizer que ele não foi alcançado, no caso do Benfica ter 71, apenas porque não foi campeão.
4. Voltando à argumentação do Manuel... é impossível encontrá-la. Dedica um parágrafo inteiro a dizer que o novo emprego foi maioritariamente absorvido pelo aumento da população activa. E então? Não contraria em nada a meta, nem lhe dá direito à conclusão do título.
5. O Manuel levanta depois a questão da criação líquida vs bruta. Ora a criação bruta de emprego só tem importância para os estudiosos. Colocar o objectivo dos 150 mil empregos em termos brutos só ajudaria o Governo, porque já foi obviamente alcançado. Bastaria pensar que a criação líquida foi de 133,7, e que certamente já houve mais de 16,3 mil pessoas a perder o emprego em 3 anos e meio. Mais uma vez, nada tem a ver com a afirmação do título, nem percebo porque é que esta questão lateral é levantada. O Governo sempre foi claro, referia-se ao objectivo mais difícil, a criação líquida de emprego... as próprias declarações de ontem referiam-se a criação líquida. O Manuel cita algumas frases de ministros para mostrar que o Governo tinha a criação líquida em mente, mas só ele é que deve ter tido essa dúvida. Aliás, como disse, se tivesse sido em termos brutos, o objectivo já teria sido alcançado, e por ser em termos brutos, o "êxito" seria irrevogável e nem haveria discussão possível.
6. À frente começamos a perceber que o Manuel não faz a mínima ideia da distinção entre os dois termos, quando começa a falar de desemprego. Criação líquida de emprego é o número de empregos criados menos os destruídos. Se a população activa estivesse fixa, então haveria uma relação directa com os números de desemprego, mas como o próprio Manuel diz antes, houve um grande aumento da população activa. Logo seria perfeitamente possível que houvesse criação líquida de emprego e que o desemprego aumentasse. Aqui fica a confusão dos termos bem explícita no texto: "Quando o Governo assumiu funções, havia 412,6 mil desempregados (e 399,3 mil no segundo trimestre de 2005), pelo que a promessa de José Sócrates correspondia a reduzir o universo de pessoas sem emprego a 263 mil". Ele ainda tenta meter as palavras na boca de outrem "Foi a pensar nisso [a redução para 263 mil] que o Partido Socialista avançou na altura com aquela meta.", mas mais uma vez acho que só ele é que teve essa dúvida.
7. Relacionado com os dois pontos acima temos ainda este excerto "a população activa aumentou em 131 mil, enquanto o emprego cresceu um pouco mais, 133,7 mil. O diferencial são 2,7 mil novos postos de trabalho - uma gota no oceano de 150 mil novos empregos prometidos pelo Governo". Pois de facto 2,7 mil feijões são poucos comparados com 150 mil grãos de areia. Mas feijão é feijão, e areia é areia. A fazer fé nas contas do Manuel, os 2,7 mil são os números da redução do desemprego e não dos novos postos de trabalho, como ele escreve.
8. Depois de vários tiros ao lado, o Manuel conclui "tendo em conta as estimativas nacionais e internacionais relativas ao desemprego, não é crível que o Governo venha a concretizar esta promessa". Ora e assim se fabricou mais afirmação bombástica, que tem direito a aparecer na capa. No texto, a frase anterior é completada com a enigmática "Não porque não queira, mas porque não pode"...
9. Por último, 133,7 arredonda-se para 134 e não para 133, como o Manuel faz... e percebe-se porque o faz.
Uma dúvida: o Manuel se estiver a ler isto, que me explique esta frase "ao contrário do que seria desejável, este novo emprego alimenta-se exclusivamente do alargamento da população activa", que é mais um exemplo da confusão entre uma crónica e uma notícia. Se a população activa aumenta, o que seria então desejável? É que pondo as coisas nestes termos a coisa acontece assim por definição. Se há mais X empregos e mais ou menos X novos trabalhadores, isto acontece por definição.
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