Sexta-feira, 24 de Outubro de 2008

Demoro entre 15 minutos (às 2 da manhã) a 5 horas (uma vez houve um acidente) a chegar a Lisboa

Hoje em letras garrafais na capa do DN: "Aprovação de remédios demora entre um e três anos".

 

Vejamos:

 

1. O DN faz valer-se da medida estatística de dispersão intervalo de variação -- diferença entre o valor máximo e o valor mínimo observados -- para sugerir, com motivação sensacionalista, uma ordem de grandeza que (1) nem sequer é rigorosa, e, portanto, é enganadora, e que (2) pode ser totalmente irrelevante.

 

2. O intervalo de variação, de 1 a 3 anos, citado na capa não é rigoroso. Conforme se pode ler na notícia, "Em Portugal a introdução de medicamentos inovadores para o cancro pode demorar entre 235 dias e três anos, em casos extremos."

 

Ora, 235 dias correspondem a cerca de 8 meses, ou seja, dois terços de um ano. Não cabia na capa "Aprovação de remédios demora menos de um ano a três anos"? Se calhar não. E soava mal, não era?

 

3. Mas o mais importante é que a 1ª página do jornal, assim como toda a notícia, podem valer absolutamente nada. E por três razões:

 

3.1. Para perceber a caracterização da distribuição do tempo de aprovação de remédios é necessário perguntar, nomeadamente, sobre (1) onde "cai" a média do tempo de aprovação (e/ou sobre outra qualquer medida de localização, já que a média é fortemente afectada por extremos) e (2) qual o desvio médio dos tempos de aprovação em relação a essa média (o desvio padrão). Pode acontecer que no estudo citado pela notícia todos os medicamentos, menos um, levem 235 dias a ser aprovados. E esse outro leve 3 anos. A notícia é verdadeira. Mas interessa? Não.

 

3.2. Afinal, o estudo em que se baseia a notícia, "compara o panorama no tratamento do cancro em 20 países europeus". No entanto, a capa, assim como o título da notícia no interior do jornal, sugerem que o intervalo de variação (impreciso e potencialmente irrelevante) se aplica a todos os medicamentos em Portugal.

 

 

Nota: Que me perdoem os visitantes do A Pente Fino, mas para que fique claro, acaso haja dúvidas (porque pode haver quem as tenha), aqui ficam as razões subjacentes a este post (porventura extensíveis a qualquer post):

 
  1. Um erro é um erro, seja vindo do Presidente da República, do Primeiro Ministro, ou do líder da Oposição; seja vindo da esquerda, da direita, do centro, de frente ou de trás; seja vindo de um juíz, de um professor, de um carpinteiro, de um empregado de mesa, ou do Papa; seja vindo de um sindicato, de uma empresa, ou de uma universidade; seja vindo de quem seja ou de onde seja. Até mesmo – como é possível? – de um jornal, de uma televisão, ou de uma rádio.
  2. É mesquinhez estar atento a incorrecções? Não, é apenas exigir rigor, principalmente quando se trata de informação transmitida nos media, já que esta chega a toda a população. E transmitir erros não parece ser – não é certamente – correcto.
  3. Sugerir que ter uma atitude assim, atenta, unicamente motivada por exigência de rigor (sim, alguma azia também, e é por isso que tem piada), é ser tendencioso e pró-Governo, é, sem ser preciso prova lógica, completamente absurdo.

Felizmente para todos nós e para uma sociedade que se quer democrática e moderna, os erros, o sensacionalismo, e as motivações obscuras, são a excepção e não a regra, entre o todo do conteúdo que os media – ou quaisquer outros agentes sociais – produzem e da informação que transmitem.

 

publicado por Carlos Lourenço às 16:48
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Quinta-feira, 26 de Junho de 2008

E assim se explica porque vão eles à bruxa

O futebol (o desporto ou quase tudo em geral) e as estatísticas, dão nisto.

 

E já agora: de cada vez que a Alemanha ganhou (ou qualquer outra selecção, ou clube, ou, ou, ou), era de dia. A noite deve pois ser madrasta.
 
Trata-se de um problema de selecção – a maior parte dos campeonatos internacionais tem lugar em Junho e, portanto, não existem observações suficientes para comparar com os restantes dias do ano – e, sobretudo, de uma relação espúria – isto é, nada leva a crer que um dia particular possa influir no resultado de um jogo de futebol (talvez por preces a S. João feitas a 24?). Que acontecerá à Alemanha se Platini calendarizar os campeonatos para Agosto?
 

Nada disto seria relevante não fosse alimentarem-se deste tipo de coisas as superstições, as tomadas de decisão e os comportamentos sub-óptimos dos indivíduos. Em suma, não fosse este tipo de notícias contribuir para um pensamento estatístico deficiente e, daí, para uma avaliação incorrecta da informação.

 

Isto não é informação, é entretenimento.

 

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publicado por Carlos Lourenço às 16:31
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Quarta-feira, 5 de Dezembro de 2007

Com probabilidade 100% haveria alguma parvoíce

Quando soube da saída do número 00000 na lotaria, tive a certeza que haveria algo pateta escrito na imprensa. Diz Maria João Caetano no DN que "quem comprou um número só com zeros acreditou, contra todas as probabilidades estatísticas, que a sorte havia de lhe calhar".
Quem são essas tais de "todas as probabilidades estatísticas"? Umas fadas que lutam contra os zeros? É que o mesmo "raciocínio" aplica-se ao número 57902. Quem o comprou,acreditou que a sorte havia de lhe calhar. E ao 19882. E o 11111. E o 12345.
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publicado por Miguel Carvalho às 13:58
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Quinta-feira, 29 de Novembro de 2007

Acudam-me! Andam assassinos cá no bairro!

Segundo a estatística relevada no debate da RTP-N, Portugal foi o terceiro país da Europa onde a criminalidade mais violenta teve maior crescimento.

O que é que isto quer dizer se não se diz o ponto de que partimos? Se houve um crime violento no ano anterior e este ano houver cinco, o aumento foi de 400%.  Provavelmente seria a maior taxa de crescimento do crime violento no mundo, mas também seríamos o país mais seguro do mundo.

Os meios de comunicação, e em particular a televisão, adoram estatísticas: dão credibilidade- a matemática é uma coisa rigorosa! - e permitem condensar uma realidade, cuja natureza é sempre complexa, num mínimo de informação.

Situação ideal para os tempos em que não há tempo!

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publicado por Oscar Carvalho às 13:55
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Quinta-feira, 27 de Setembro de 2007

Lusa caminha a passos largos para mais um título nacional de humor jornalístico

Depois da criação do interessante conceito de "mortes negativas" há uns meses pela Lusa, quando noticiou uma diminuição de 300% no número de vítimas mortais em acidentes rodoviários - notícia logo copiada por um rebanho de jornais, esta agência noticiosa desfere mais um forte golpe na concorrência na sua corrida ao prémio de jornalismo humorístico.
Não tendo o texto original, refiro-me à sua republicação (adaptada) no Diário Digital, sob o título "Euromilhões:Estatísticas revelam «chave ideal» e números a evitar". Mas lá está, não sei a quem atribuir o mérito deste absurdo título.
Agora o fundamental do texto é da Lusa, e é uma obra prima da iliteracia matemática e da superstição. Aliás, vou abster-me de comentá-lo porque me falta a arte de comentar tamanha obra.

Se acredita em estatísticas e quer ter mais probabilidades de ganhar sexta-feira os 130 milhões de euros do sorteio de aniversário do Euromilhões, deve escolher os números 01, 03, 12, 15 e 50 e evitar o 46, o único que saiu menos de dez vezes desde 2004.

De acordo com as estatísticas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e tendo em conta os números que mais vezes foram sorteados desde o primeiro sorteio, em 2004, a «chave ideal» seria composta pelos números 01, 03, 12, 15 e 50.

As estrelas, seguindo o mesmo raciocínio, seriam o 01 e o 06.

Dos cinco números sorteados semanalmente, os que saíram mais vezes foram o número 50 (saiu 29 vezes), o 01 (saiu 28 vezes), o 03 (saiu 27 vezes), o 12 (foi sorteado 25 vezes) e o 15 (sorteado 24 vezes só em 2007).

Já os números «malditos», são o 46 (saiu sete vezes), o 20, 22 e 28 (que sairam 12 vezes cada)

Quanto às estrelas, tendo em conta a mesma estatística, o número 06 saiu 50 vezes e a estrela com o número 01 foi 48 vezes sorteada.

O número 04 foi a estrela que menos vezes saiu (30 vezes).


Para quem não notou, chamo a atenção que este raciocínio é baseado no famosíssimo Teorema de Chebnikov sobre o jogo do Cara ou Coroa: se saiu uma cara, quase quase quase de certezinha que vai sair uma coroa a seguir. (Durante décadas houve uma cisão na comunidade científica entre os apoiantes do "quase quase quase de certezinha" e os do "quase quase de certeza", mas Chebnikov acabou por agregar o consenso em torno da sua formulação).

E ainda há quem insista em fazer o Contra-Informação e o Inimigo Público... Uhnf! Amadores.
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publicado por Miguel Carvalho às 19:31
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