Domingo, 28 de Outubro de 2007

'Rankings' (reis em fuga?)

O DN de ontem, sob o título Privados garantem que ensinam melhor por menos, dá voz a alguns responsáveis de associações ligadas ao ensino particular e cooperativo (vá lá, ficou de fora o concordatário...) que argumentam dever o Estado dar “liberdade de escolha” às familias quanto aos estabelecimentos de ensino que os filhos frequentam, sejam estes públicos ou privados, “assegurando depois o financiamento integral das aprendizagens”. Vamos por partes: primeiro o verdadeiro ‘pedido’ ao Estado e depois os argumentos usados para o justificarem.
 
A escola pública, ao que parece, ensina mal e ensina mal por mais caro. E, portanto, o Estado deve dar liberdade de escolha às familias. Mas esperem lá, então quem já tem actualmente os filhos em escolas privadas está a desobedecer ao Estado porque tomou a liberdade de não escolher escolas públicas? E quem escolheu escolas públicas (se é que ‘escolheu’), está a obedecer ao Estado? As respostas são óbvias para estar a gastar caracteres. A verdade é que se usa o estandarte da “liberdade de escolha” para pedir... dinheiro ao Estado!
 
Note-se, o meu ponto nada tem que ver com ideologias político-económicas (nenhuma me interessa aqui). Simplesmente, é dada voz num jornal ‘de referência’ sem haver lugar a qualquer contraditório, isto é, sem que passe pela cabeça de alguns jornalistas uma perguntazinha sequer a rebater o que é dito. Bom, se não passa, e acredito que não passe, então vamos aos argumentos, que esses é que são bons.
 
O ponto de partida está nos rankings das escolas, os quais se baseiam, ao que parece, pelo que é dado a entender no artigo, na média dos resultados dos exames a Português e a Matemática. “De acordo com cálculos feitos pelo DN”, as privadas obtiveram, em média, 3,45 a Português, contra os 3,21 das públicas. Mas “a diferença foi ainda mais significativa” a Matemática: em média, 2,59 para as privadas contra 2,11 para as públicas. Eu pergunto:
 
1. Quando se diz que estas diferenças foram (são?) significativas, está a usar-se o termo estatisticamente ou de forma literária? É que se é estatisticamente, então cabe informar para que nível de confiança são essas diferenças significativas? Para 1%? Para 5%? Para 10%? É que as diferenças, entre usar uns ou outros níveis de confiança, são significativas (forma literária!). Se o termo está a ser usado de forma literária, então a comparação pode ser oca e não servir para nada se as diferenças forem estatisticamente não significativas. (Dado que a dimensão das duas amostras – número de alunos nas públicas e privadas – é provavelmente grande, não surpreende se as diferenças forem, de facto, estatisticamente significativas; mesmo assim...)
 
2. Então, focando-nos na média, como tanto se gosta de fazer e é o que se faz no artigo, a Português, tanto as privadas como as públicas conseguem a mesma positiva (média de três, já que a média das privadas não chega para arredondar para o quatro, mas nem queria entrar por aí). E, ainda focando-nos na média, a Matemática, tanto o privado como o público, ‘conseguem’ ter negativa (embora, arrendondado, o privado consiga três). Como se sabe, nas pautas aparece um 3 ou um 2, sem casas decimais, e é isso que interessa aos alunos e é isso que interessa para passar ou chumbar (oops, ‘reprovar’; oops, ‘ficar retido’) a uma disciplina (depois de, com a nota interna, calcular a média ponderada). Estamos então a falar de casas decimais para sustentar o argumento da liberdade de escolha e o financiamento integral das aprendizagens por parte do Estado? É que, ao que parece, às unidades, privado e público estão a fazer igualmente bem e a fazer igualmente mal.
 
3. Por favor, há alguém em Portugal que pegue em dados da performance das escolas (privadas e públicas) com um horizonte temporal razoável, e estude de uma vez por todas o efeito-escola sobre o efeito-aluno, controlando para factores socio-económicos, culturais, etc? Como é sabido, a população estudantil nas privadas é, apesar dos esforços para o contradizer, muito mais homogénea que a população estudantil nas públicas, a qual se caracterizará, porventura bem, por uma perfeita ‘salganhada’. Ou seja, indirectamente, estou a dizer que interessa não só olhar para a média (já estamos habituados a falar dela e quase toda a gente a sabe calcular), mas também para a variância dos resultados nas escolas. Estou em crer que essa variância é (significativamente?) maior nas públicas do que nas privadas. Ora, a média é uma medida de tendência central que é afectada por extremos. Ah, então... Pois.
 
A educação é uma paixão em Portugal e por isso vende. Votos e jornais. E onde está um projecto de investigação global sobre a educação em Portugal? Ah, espera, isso não dá votos e não vende jornais... (e as universidades, onde andam?) Haja, ao menos, (mais) rigor.
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publicado por Carlos Lourenço às 18:07
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