Mais dados sobre o Inquérito Nacional sobre a Violência de Género, e mais uns exemplos sobre a ligeireza com que se enchem páginas de jornais com números falsos.
Ioli Campos no SOL: O único tipo de violência contra as mulheres que aumentou foi a agressão psicológica (53,9%); a violência física (22,6%) e a sexual (19,1%) decresceu no período em análise.
José Bento Amaro no Público: Entre os três tipos de violência analisados no inquérito de 2007, apenas os casos de violência sexual diminuíram. Ainda assim, a sua prevalência em relação ao total apurado é de 27,5 por cento (...) cerca de uma em cada quatro mulheres.
1. Só nestas frases já sabemos que há (pelo menos) dois erros, porque os jornalistas contrariam-se duas vezes. (Imagino que a diferença entre os 19,1 e os 27,5, seja explicada pelo primeiro ser a percentagem dentro da violência que foi sexual, e o segundo a percentagem dentro das mulheres vítimas que se queixam de violência sexual, mas como os jornais trocam tudo não o posso confirmar).
2. Há também ali mais um erro, é que aquelas percentagens não são percentagens globais, são apenas dentro das mulheres que se declararam vítimas. Por exemplo, se 2% se declaram vítima, e dentro dessas 50% declaram-se vítimas de violência sexual, apenas 1% das mulheres foram vítimas e não 50% como nos apresentam. Para que não haja dúvidas que é esta a mensagem que é passada, aqui ficam as letras gordas do Público: "Uma em cada quatro mulheres foi molestada sexualmente". Ora, segundo os números na tabela do Público este número foi de 7%! Fazendo as contas com os 27,5%, foram 10%. O título é portanto falso.
3. Por último, o nosso erro matemático de estimação. Diz a Eduarda Ferreira no JN, desceu cerca de 10% (...) o número de portugueses que afirmam ter sido vítimas de violência. Ora uma descida de 48% para 38,1%, é uma descida de 21%. Para que a Eduarda fique a pensar: se de 20% para 10% vai metade, e metade é 50%, por que é que a Eduarda teria dito 10% de diminuição?
Comento o
texto do Paulo Martins no JN, por ser o mais completo e onde a sondagem foi publicada.. aliás os outros são geralmente cópias dos mesmos disparates.
1. PS, PSD e PP descem, PCP mantém-se. Apenas o BE sobe, mas sobe apenas 4pp ou seja bem menos do que as outras descidas.
Da última vez que vi umas eleições a soma das percentagens ainda dava 100%... Ou o PCTP-MRPP disparou para os 7% ou 8% ou Paulo Martins está dizer-nos que nas próximas eleições a soma vai ficar abaixo dos 100%.
2. O que parece mais óbvio (como sempre não posso confirmar porque o JN online não tem a ficha técnica) é estarem a ser analisados os resultados em bruto, o que é errado por várias razões, como o facto de comparações entre meses deixarem de fazer sentido. Sendo assim, o Paulo
mete outra argolada quando diz que os 39% do PS estão longe da maioria absoluta. É que descontando os indecisos, este valor seria bem mais alto.
(P.S. não fiz as contas e logo não estou a querer dizer que o PS está perto da maioria absoluta, apenas a afirmar que não faz sentido pegar no 39% para fazer esta análise)3. Diz o Paulo "
Como o trabalho de campo desta sondagem teve lugar quase um mês após a remodelação governamental, que resultou no afastamento do ministro da Saúde, é legítimo inferir que ela não travou a curva descendente". Não Paulo, isso não é legítimo. Primeiro porque as margens de erro (não publicadas) muito provavelmente são maiores que a variação em causa Segundo porque não interessa apenas quando foi feita este trabalho de campo, mas também quando foi feito o trabalho de campo anterior... que foi há 4 meses! Teria que se comparar com sondagens imediatamente antes da saída do ministro, e em 3 meses pode ter havido muitas variações.4. "O PSD perde 4%". Não Paulo, o PSD perde 4
pontos percentuais.
5. "
Em conjunto, PSD e CDS atingem um score inferior em 4% ao do PS". Também não.. São outra vez 4 pontos percentuais.
Adenda/correcção
O Pedro Magalhães do CESOP da Católica, centro responsável pela sondagem em causa, já tinha respondido às minhas dúvidas no seu interessante blogue Margens de Erro, onde publica o relatório da sondagem. Com os novos dados, posso corrigir/aprofundar o que escrevi em cima, optando contudo por deixar o texto original.
1. A soma dos valores afinal dá mesmo 100%, eu só fui induzido em erro por haver 4pp que desaparecem. A explicação vem da previsão dos votos brancos/nulos que tem um número inesperadamente alto (5%) que não vinha referido na notícia, e de uma estranha série de coincidências nos arredondamentos para baixo.
2. Este meu ponto deixa de fazer sentido. Os 39% são o valor correcto a analisar, e logo o PS está claramente longe da maioria absoluta.
3. a 5. As críticas continuam pertinentes. Por curiosidade, e como eu antevia, a margem de erro é de 2,8% logo maior que as flutuações em causa.
Os jornalistas tem um especial prazer sensacionalista em transformar sugestões de comissões técnicas ao governo em lei prontas a ser a aplicar. Recentemente e a propósito da apresentação do Livro Branco do código laboral tivemos títulos como "despedir será mais fácil" no DN e "Patrões têm que provar que os recibos verdes são verdadeiros" no JN, entre outros.
Escusado será dizer que estes relatórios são depois eventualmente debatidos, alterados e votados no governo, debatidos, alterados e votados no parlamento na especialidade, debatidos, alterados e votados no parlamento na especialidade, analisados e aprovados/vetados pelo Presidente da República e muito provavelmente (dada a natureza do tema) analisados pelo Tribunal Constitucional,... porque para estes jornalistas rigorosos o que interessa é chocar.