Eu entendo que a imagem de helicópteros a atirar dinheiro seja apelativa, e que o facto de o termo helicopter money existir mesmo em economia monetária, tenha dado vontade à Patrícia Abreu de escrever um texto intitulado "Saiba como ganhar com os helicópteros de dinheiro do BCE" no Jornal de Negócios. Contudo, e por muito que se tenha esforçado com várias referências gráficas a essa imagem como "o helicóptero levantou voo", "atirar dinheiro para a economia", "provocou um vórtice", "o helicóptero da Fed esteve muitos anos no ar" e "na Zona Euro, só agora descolou" (isto tirado apenas do pequeno resumo que a versão online mostra... imagino que continue), o que está a acontecer na Zona Euro nada tem a ver com helicopter money.
A ideia essencial é imprimir moeda que vá parar directamente às mãos das famílias, estimulando a procura, e isso não está a acontecer. O BCE não está a dar dinheiro, está sim a comprar activos financeiros, algo que faz desde o primeiro dia sendo que desta vez o faz em larga escala, comprando títulos de dívida pública e aumentando a moeda em circulação. Enquanto eu e a Patrícia não recebermos dinheiro na carteira sem termos de pedir um empréstimo ou vender um activo financeiro, não estamos perante helicópteros de dinheiro.
Quem abre a página do Jornal de Negócios lê isto:
Poder de compra subiu pela primeira vez em três anos
O título da notícia de Eva Gaspar diz um pouco mais, mas é igualmente mau:
Poder de compra dos portugueses subiu pela primeira vez em três anos para 79% da média europeia
Primeiro temos a habitual confusão entre "poder de compra" (seja lá o que isso for), e o PIB per capita em PPP. Não seria tão grave se este não fosse o único documento do Eurostat onde consta uma medida que realmente se aproxima do que as pessoas entendem por "poder de compra", o Actual Individual Consumption. Ou seja, tendo à frente dos olhos a melhor definição de compra que existe, o JNegócios olha para a coluna do lado.
Segundo, quando o meu vizinho perde o emprego e o meu salário é reduzido 20%, não é por a minha desgraça ser menor que o meu rendimento sobe. O JNegócio discorda. Acha que o meu rendimento está melhor. A palavra "subir" dá a entender que se está perante uma subida real, quando os dados são apenas sobre uma subida relativa.
Alerta do leitor HS
No Jornal de Negócios temos o seguinte texto de Paulo Moutinho.
Título:Mais de 70% das notas em circulação em Espanha são de €500
Uma pessoa até fica boquiaberta! Os espanhóis estão tão ricos que andam com notas roxas na carteira?! Será que percebemos mal? O Paulo insiste:
As notas de 500 euros abundam em Espanha.
Ena!
Representam mais de 70% do total de notas em circulação
São mesmo loucos!
A certa altura diz "De acordo com (...) "Cinco Dias". O que dirá o tal jornal? Bom, está em castelhano, mas acho que dá para entender: "De los 79.050 millones de euros en billetes que circulaban por España en enero, 55.584 -el 70%- correspondía a billetes de 500 euros". Aah! 70% do valor monetário está em notas de 500€! Se eu tiver 9 notas de 10€ e uma de 500€, um miúdo de dez anos dirá que 10% das notas são roxas. O Paulo Moutinho, não. Dirá que 85% são roxas.
O mais grave para mim não é o "erro matemático", ou a distracção, ou a transmissão de uma mentira aos leitores. O mais grave é um jornalista de um jornal económico viver tão abstraído da realidade, ao ponto de não se questionar se uma coisa destas seria possível.
Rui Peres Jorge, no Jornal de Negócios de hoje, comete a(s) seguinte(s) afronta(s):
1. Não indica uma única fonte para sustentar o que escreve. Ora, face à gravidade do que sugere, não lhe passa pela cabeça revelar ao menos onde foi buscar tal "furo"?
2. No título escreve 30%, mas inicia o texto com 27%. Em termos proporcionais pode parecer uma diferença negligenciável, mas o que conta é a que dizem respeito aquelas proporções. Isto é, milhares de empregos.
3. Segundo dados do INE, disponíveis numa questão de segundos a qualquer cidadão através da Internet, aos quais Rui Peres Jorge não faz qualquer menção (nem a quaisquer outros), foram criados 133 700 empregos desde o 1º trimestre de 2005 ao 2º trimestre de 2008. Assim, os tais 27% dos 130 000 empregos que refere o jornalista, representam 26,25% do total de empregos efectivamente criados, cada vez mais longe do que é anunciado no título.
4. Não sou a pessoa mais qualificada para analisar se é possível que os dados oficiais contabilizem o emprego da forma que sugere o jornalista (talvez portugueses que se mantenham como residentes em Portugal, mas que efectivamente não o sejam?), mas parece-me que isto não passa de um grave disparate.
Nota (a posteriori): Como, infelizmente, não tenho acesso à notícia que foi publicada no jornal em formato papel, na qual, supostamente, se explica melhor a questão, resta-me pedir desculpa, pelo menos em parte, ao jornalista Rui Peres Jorge. Em parte, porque considero absurdo que nos dias de hoje, em que a Internet funciona como o meio exclusivo de acesso à informação para tantas pessoas (veja-se o decréscimo nas vendas de jornais impressos), um jornal não tenha cuidado com as notícias que publica online. Sendo que parte dessa responsabilidade deva, na minha opinião, caber ao jornalista que assina a notícia. É que quem quer que dê de caras com aquela notícia no site do Jornal de Negócios não pode senão ficar perplexo e muito preocupado. Foi o que me aconteceu.
Governo paga novos empregos antes das eleições, diz hoje em grande a capa do Jornal de Negócios. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Lá dentro, o texto explica afinal que...
As empresas que, nos primeiros meses de 2009, contratarem desempregados há mais de seis meses ou que coloquem no quadro trabalhadores até aos 30 anos que estão com contrato a prazo ou a recibos verdes ficarão isentas de contribuições para a Segurança Social durante três anos.
Algo como eu dizer à malta do Jornal de Negócios "eu pago uma jantarada ao pessoal todo", quando na realidade apenas os quero fazer ver que tenho um vale promocional que oferece dois ou três cafés no fim do jantar.
Índice de preços no produtor nos EUA acelera 1,4% em Maio, diz o Jornal de Negócios. Mas... o que é que isto quer dizer?!
a) A inflação acelerou 1,4%, ou seja o crescimento da inflação foi mais rápido 1,4%, passando de um crescimento de (por exemplo) 10% ao mês para 10,14%, tendo a inflação propriamente dita passado de 5% para 5,5% e depois para 6,06%?
b) A inflação acelerou 1,4 pontos percentuais, ou seja o crescimento da inflação foi mais rápido 1,4 pp, passando de um crescimento de 10% ao mês para 11,4%, tendo a inflação propriamente dita passado de 5% para 5,5% e depois para 6,13%
c) A inflação subiu 1,4%, ou seja passou de 5% para 5,7%?
d) A inflação subiu 1,4 pontos percentuais de 5% para 6,4%?
e) Os preços subiram 1,4%, ou seja a inflação foi de 1,4%?
Em termos de português (e de matemática) o título aponta para a hipótese a), já que acelerar significa um aumento no crescimento/velocidade. Mas o que será que a Ana Luísa Marques tinha na cabeça?
Solução: e)
P.S. Antes que seja mal interpretado, as minhas críticas aqui são duas.
1. Por que complicam coisas tão simples? Ao não terem uma linguagem terra-a-terra acabam por confundir muitos leitores.
2. O erro que está naquele título, é para mim irrelevante, o que me assusta é a jornalista confundir aqueles termos. E é esta confusão que muitas vezes está por detrás de erros bem mais graves que diariamente aparecem na imprensa.
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