Domingo, 18 de Janeiro de 2009
No DN de ontem, Rudolfo Rebêlo assina mais um artigo merecedor de destaque nesta antologia do disparate jornalístico.
1. A habitual confusão entre stocks e fluxos: "Agora, com a crise, o desequilíbrio das contas passa para os 3,9% da riqueza." O que o Rudolfo queria dizer é que o défice orçamental passa para os 3.9% do PIB. PIB e riqueza não são a mesma coisa. O primeiro é um fluxo, o segundo é um stock.
2. A habitual confusão entre pontos percentuais e percentagens, ao estilo do que foi escrito aqui: "Teixeira dos Santos, o ministro das Finanças, afirma que as medidas anti-crise custam 0,8 pontos percentuais do PIB." Não, não custam. Custam sim 0,8 por cento do PIB. O Rudolfo, que se vangloriava de não entrar nestas confusões entre percentagens e pontos percentuais, fica especialmente mal nesta fotografia.
3. A birra do Rudolfo. Há duas semanas, dizia-nos que o número de novos desempregados (90 mil) seria igual à destruição de empregos (50 mil) mais o número de pessoas que entravam no mercado de trabalho (40 mil) (ver aqui). Perante o nosso protesto de que se tinha esquecido de subtrair quem saía do mercado de trabalho, o Rudolfo riposta em comentário irritado que os 40 mil se tratava de um "saldo" e que estava em "defeito (e muito)". O leitor comum interroga-se então: se os 40 mil são um saldo (entradas menos saídas), porque razão os definiu o Rudolfo como "(jovens) que todos os anos - em média - terminam a escolaridade e tentam encontrar trabalho"? Isto soa a entrada, não soa lá muito a saída. Se o Rudolfo sabe que isto é um saldo porque é que não o diz claramente, em vez de inventar esta história de jovens-não-sei-das-quantas? Será que não percebe que está a induzir as pessoas em erro? E, já agora, se está em "defeito (e muito)", porque é que não dá o número correcto, em vez de insinuar que está propositadamente a divulgar um número exageradamente baixo?
Mas o mais grave de tudo isto é que o Rudolfo, na edição de ontem, decide insistir: "Isto significa que pelo menos 36 mil pessoas saem do mercado de emprego. A estes "números" haverá que somar pelo menos 40 mil pessoas que todos os anos tentam entrar no mercado de trabalho". Desta vez, com o verbo "entrar" bem evidenciado! Será que entrar inclui sair? Ou os 40 mil afinal não são líquidos, como o Rudolfo tinha dito? Caro Rudolfo, convém que se decida.
4. Finalmente, um novo termo económico: "há 36 mil pessoas a sair do mercado de emprego" Mercado de emprego?! E o mercado de desemprego, também existe? Ou será que o Rudolfo queria dizer mercado de trabalho? Ah, mas isso não pode, porque parte das pessoas que perdem o emprego continuam no mercado de trabalho à procura de outro, como o Rudolfo certamente sabe. Desisto, não sei o que é...
Segunda-feira, 15 de Setembro de 2008
Num debate com Miguel Frasquilho e Francisco Madelino, os jornalistas João Silvestre e Nicolau Santos perguntam ao primeiro se "está de acordo com esta ideia de que a economia está a criar emprego mesmo com crescimentos abaixo de 2%?" Como se fosse uma ideia e não um facto (e, não, não estou a dizer que a criação do emprego é maravilhosa e muito menos que o governo está de parabéns), e como se fosse possível discordar (sem aldrabar). Claro, a resposta de Miguel Frasquilho só podia começar por ser: "Que está a criar emprego está. Não há dúvidas."
Mas logo a seguir sai-se com esta: "Mas isso acaba por ser muito más noticias. Porque significa que o nosso produto potencial - o PIB que corresponde ao pleno emprego - está neste momento bastante abaixo destes 2%." Desculpe? O facto de haver criação de emprego com crescimento abaixo de 2% implica o quê para o PIB potencial? Não é que o crescimento do PIB potencial não esteja mesmo abaixo de 2%, mas onde é que o Miguel Frasquilho foi desencantar esta implicação? Mas, pronto, dessa forma conseguiu ao menos puxar a coisa para o produto potencial e cascar um pouco mais no governo. O disparate por vezes compensa.
[Ah, e já agora, o que se mede em percentagem não é o PIB potencial, como diz o Miguel Frasquilho, mas a sua taxa de crescimento.]
Quarta-feira, 13 de Fevereiro de 2008
Hoje lemos no Público que o "
PIB português recupera, mas continua abaixo do valor de 2000" num título de uma notícia de Isabel Arriaga e Cunha. Ora isto é uma mentira e uma manipulação dos dados, que não é feita ingenuamente. Basta ler o texto para perceber que o que diz o título - que é o que 99,9% dos leitores retém - mistura duas coisas completamente diferentes.
Enquanto o texto fala nos valores do PIB medidos como percentagem da média europeia (esses sim recuperaram em 2005, mas continuam mais baixos que em 2000), o título refere-se ao seu valor absoluto. Basta que o
crescimento do PIB português, embora positivo, seja inferior à média, para esta percentagem cair. Ou seja cresce, mas está mais pequeno em relação à média.
Para que não restem dúvidas que o Público está a mentir, aqui ficam os números tirados
do Eurostat que serviu de fonte à notícia:
2000: 78,3% do PIB per capita europeu a preços constantes de 1995:
13076€ 2005: 75,4% do PIB per capita europeu a preços constantes de 1995:
13496€
(E sim, 13496 é
maior do que 13076)
Embora este "erro" só surpreenda os mais ingénuos, é pena que aconteça, porque o Público foi uma das raras excepções nos media que não cometeram este mesmo
"erro" há uns meses.
Quarta-feira, 9 de Janeiro de 2008
O principal artigo da secção de Economia do Público de hoje é um autêntico monumento ao disparate. Ora, vejamos.
1. Logo na capa: "BdP [Banco de Portugal] prevê paragem da retoma em 2008". Considerando já as previsões revistas (em baixa) pelo BdP, o PIB real cresceu 1.9% em 2007, crescerá 2% em 2008 (contra os 2.2% previstos pelo Governo) e 2.3% em 2009. Quer dizer, o PIB real em 2008 não só cresce como ainda cresce a uma taxa superior à de 2007, e vem o jornalista de serviço, de nome Sérgio Aníbal, dizer-nos que o BdP prevê uma "paragem na retoma". Haja paciência.
2. Ainda na capa: "Menos consumo privado". Menos? Então mas não está estampado no quadro em anexo ao artigo que o consumo privado cresce 1.1% em 2008? Como é que é menos?
3. Continuamos na capa: "Abrandamento das exportações". Como é que é? Então mas no mesmo quadro não está indicado um crescimento de 4.9%? [A propósito de quadros, o que aparece no artigo nem o é bem... é mais um agrupamento de números atirados à cara do leitor, que fica desta forma convidado a descobrir o que querem dizer. Nem uma indicação do que os números significam... se são em valor absoluto ou em taxa de variação, se são nominais ou reais. Enfim.]
4. Mais à frente, já no texto: "o optimismo em relação à evolução da economia está agora adiado para 2009". Então mas a economia cresceu 1.9% no ano passado, espera-se que cresça 2% este ano e 2.3% no próximo e temos de esperar para 2009 para estarmos optimistas? E porquê 2009? Porque 2% não presta mas 2.3% é muito bom? Já agora, qual é a fronteira entre o pessimismo e o optimismo? 2.15%? Ou serão os 2.2% anteriormente estimados pelo Governo? Por mim, nem um valor nem outro me satisfaz. Há muito que deveríamos estar a convergir para o rendimento médio da Zona Euro. Para o Sérgio Aníbal, a miraculosa passagem de uns meros 2% para uns meros 2.3% resolve a questão. Segundo o próprio, o primeiro número significa "intervalo na retoma", enquanto que o segundo traduz "optimismo" e "recuperação mais forte", só porque o crescimento médio da Zona Euro patina algures no meio.
5. Mais à frente: "os 4.9 por cento [de crescimento das exportações] agora apresentados significam que o Banco de Portugal, ao contrário do que aconteceu em 2006 e 2007, está à espera de uma quebra de quota de mercado em 2008". Pois, exportamos mais 4.9% e daí conclui-se que perdemos quota de mercado... Qual seria a conclusão do Sérgio Aníbal se a taxa de crescimento das exportações tivesse sido nula de 2006 para 2007 e 4.9% de 2007 para 2008? Aposto que seria diferente.
6. Logo a seguir: "são só 0.4 pontos, mas podem vir a ser mais". Deduzo que ainda se refere à perda de quota de mercado. Mas, 0.4 pontos? Donde vem este número?
Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2007
Desculpem, mas não aguentei o palavrão.
Quase todos os meios de comunicação repetiram a
mentira que nem uns carneirinhos, sem se darem ao trabalho de verificar a informação. TVI, Correio da Manhã, SIC, Record e TSF, pelo que pude ver no Google News.
Mas o meu maior escárnio vai para a imprensa dita económica, que deveria saber o mínimo dos mínimos: Agência Financeira, Portugal Diário, Jornal de Negócios, Diário Económico. Todos repetem a mesma mentira.
Uma vergonha de jornalismo.
Os meus enormes parabéns à
LUSA, ao DN e ao Público (versão papel) por terem escrito a verdade.
Adenda: Não só mentem em relação a estes dados, como muitos (como o CM) referem que o PIB per capita "
voltou a descer". Outra mentira! De 2004 para 2005 também subiu.
Adenda: O prémio do meio de comunicação mais imaginativo vai para a Agência Financeira. Os números do relatório em causa são todos em percentagem da média da UE. Ou seja, toma-se o valor médio do PIB per capita em PPP naquele ano como o valor de referência 100, e os outros são dados em comparação com o 100. Portugal, por exemplo, tem 75. Apesar de os valores se referir a esse valor
fixo 100, aparentemente a Agência Financeira ainda consegue inventar aí uma tendência (deve ser do 100 para o 100) e escreve no título "
Poder de compra dos portugueses cai e contraria tendência europeia".
(Admito que se possam estar a referer a outra tendência, porque não são claros, e não explicitam essa afirmação no texto).
Adenda: acabei de rever a peça da RTP. Além de vários pequenos erros, parece confundir os valores da percentagem face à média europeia com a sua variação (refere alguns países que estão agora melhor, citando para tal de seguida os seus valores... mas os valores não indicam variação). E mais uma vez se comprova que os jornalistas se seguem uns aos outros que nem uns carneirinhos: a reportagem volta a referir (como o DD) que os cálculos "deixaram a inflação de fora". Como já escrevi, é o nível de preços que é contornado, e não a inflação. Além disso,
por definição, os valores do PIB dados pelo Eurostat são dados em paridades de poder de compra, não é novidade nenhuma!
(Post com várias alterações)
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Sobre a notícia que já referi
aqui, a RTP comete exactamente o mesmo erro, mas dum jeito bem mais sensacionalista e deturpando os números em causa.
"O poder de compra em Portugal voltou a descer", diz José Rodrigues dos Santos."
Viver é cada vez mais difícil" diz Leonor Elias.
"
É cada vez mais difícil satisfazer as necessidades" repete Leonor Elias.
(transcrições não literais)A RTP acrescenta outra mentira. O facto de o PIB per capita ter descido
relativamente à média europeia, não significa de modo nenhum que o seu valor absoluto caia. Aliás, como sabemos até subiu este ano e o ano passado.
Para que Leonor Elias perceba, aqui fica um exemplo.
76% de 100€ em 2005 dá 76€
75% de 105€ em 2006 dá 78,75€
E agora o passo difícil, 78,75 é
maior que 76.
Sob o título, "
Poder de compra mantém-se 25% abaixo da média da UE" uma
notícia do Diário Digital confunde PIB per capita com poder de compra. O produto interno bruto per capita mede a quantidade de valor produzida dentro de um país por cada habitante em média.
O poder de compra dos cidadãos não existe como grandeza económica e de qualquer modo o PIB per capita não é certamente o melhor indicador desse poder por duas razões fundamentais.
Primeiro não contabiliza os fluxos financeiros entre países como lucros, remessas de imigrantes, subsídios externos, etc... ou seja se eu tiver um táxi na Suíça, um tio na França que me manda dinheiro ou se receber um subsídio da UE, tenho mais dinheiro do que o que produzi. S
egundo não contabiliza as transferências de e para o Estado, como impostos e subsídios. Por pagar IRS, IVA, etc... não posso de maneira nenhuma gastar tudo o recebi de salário/lucro, mas por outro lado posso receber subsídios do Estado que aumentam o meu poder de compra. Só faria sentido associar PIB per capita e poder de compra se estes "detalhes" fossem iguais em todos os países, o que obviamente não acontece.
Eu suponho que o jornalista tenha confundido os dois porque viu a expressão Paridade de Poder de Compra (PPP) algures, e concluiu que se estava a falar de poder de compra. Digo isto porque a certa altura menciona a PPP "
de acordo com o critério PPS [sic]
(sigla inglesa para Paridade do Poder de Compra), um conceito que exclui o efeito da inflação/país". Ora
nem isto está correcto. A PPP toma em conta o nível de preços entre dois países. Se eu ganhar 10 e um espanhol 15, mas eu poder comprar 10 maçãs e ele também, então ele ganha exactamente o mesmo que eu! A inflação é apenas a variação anual do índice de preços, indicando apenas a variação de quanto valem os meus 10 e os 15 dele, e não o seu valor propriamente dito.
Quarta-feira, 14 de Novembro de 2007
É o grande destaque do momento no
Diário Digital. Mais uma vez basta ler 2 parágrafos para perceber que isto é mais uma deturpação sensacionalista da realidade. O que o Diário Digital faz é comparar o PIB do 3º trimestre com o do 2º trimestre. Ora não se pode comparar o incomparável. Não posso dizer numa terça-feira que no dia anterior o PIB cresceu 200%, porque é óbvio que numa segunda se produz mais que num domingo.
As comparações devem ser sempre feitas em termos homólogos, comparando o 3º trimestre de 2007 com o 3º trimestre de 2006. Mas bolas, aqui houve um crescimento de 1,8% o que não dá tanta "pica".