O jornal é o DN e o jornalista é o incontornável Rudolfo Rebêlo. Eis o que me veio à rede no artigo de hoje:
1. "Pelo terceiro ano consecutivo os portugueses perderam poder de compra em 2007".
Custa assim tanto deixar claro que esta perda é relativa ao resto da União Europeia? Sobre isto, já tudo foi dito aqui.
2. "Portugal é um dos países da Europa mais caros para viver, ocupando o 18º lugar no ranking das nações com os preços mais elevados, entre uma lista de 37 países".
Primeiro, é dos mais caros, mas ocupa a 18ª posição em 37 países. É o que se chama um "pódio de 18 lugares"... Ainda por cima o nível de preços em Portugal até está bastante abaixo da média europeia. Segundo, porque é que o Rudolfo não comparou apenas com os países da zona euro, como fez com o "poder de compra"?! Nesse caso seria o 3º mais barato. Mais barato só mesmo Malta e Eslovénia.
3. "Há três anos que Portugal mantém o nível de preços da alimentação (e serviços) face à média da UE 27".
Ah, agora o Rudolfo já fala em termos relativos! Está a melhorar, sem dúvida. Mas interrogamo-nos se o teria feito caso o nível de preços tivesse subido em relação à média europeia, como o não fez com o poder de compra. E, "alimentação"? Então e um pneu? E um sofá? E uns sapatos? Não são alimentos, não são serviços, são o quê?
4. "Ou seja, medido com base nos gastos efectuados pelas famílias em bens e serviços (consumo), o poder de compra é apenas 82% da média da União Europeia a 27".
Mas que sentido é que faz medir o "poder de compra" usando o consumo privado? Se um japonês me emprestar dinheiro para importar um carro do Japão, o meu consumo aumenta, mas quer isso dizer que tenho mais poder de compra? E se eu decidir não gastar parte do meu salário para emprestar a um mexicano, quer isso dizer que perdi poder de compra?
5. "Apesar de os preços nas lojas e nos serviços estarem 43% acima da média da União - o que significa uma carestia de cerca de 60% superior a Portugal -, o poder de compra dos dinamarqueses está 12% acima da média da UE 27".
Com que então, 60%... O Rudolfo pega nos níveis de preços dinamarquês (143) e português (84), tira a diferença e (sem dividir pelo nível de preços português) chama-lhe percentagem. Claro que a percentagem correcta é perto de 70%, não 60%. Mas o mais curioso é termos lido, há uns tempos, um comentário refilão do próprio Rudolfo a vangloriar-se de não padecer dessa maleita tão comum entre jornalistas que é não saber calcular percentagens. Cá temos a prova.
Além disso, como escrevi no ponto 4, os 12% de que nos fala referem-se ao diferencial relativo do consumo e, portanto, não fazem sentido enquanto diferença de poder de compra. Lá por os dinamarqueses pouparem uma grande parte do que produzem, isso não significa que perdem poder de compra.
6. "O poder de compra no Grão-Ducado do Luxemburgo estava (em 2007) cerca de 47% acima da média e, mesmo assim, estão mais "pobres"".
Pois claro, tinham um rendimento real 154% superior à média europeia em 2005, e 167% em 2006 e 2007, e o Rudolfo ainda nos quer convencer que ficaram mais pobres...
O Expresso diz este sábado na capa que os "Profs perderam 12% do salário em 8 anos". Não me dando ao trabalho de verificar os números, reparo em dois erros na análise.
- Embora o título e o texto se refira à generalidade dos professores, nas letrinhas pequeninas no gráfico ficamos a saber que só foram verificados os professores em topo de carreira. Ora eu conseguiria facilmente encontrar 1000 portugueses que em 8 anos viram o seu salário duplicar, mas não seria sério concluir daí que os portugueses no seu todo tiveram uma duplicação. Aqui a escolha do escalão mais alto não é inocente. Tem sido política nos últimos anos dar aumentos percentuais maiores aos escalões mais baixos (o próprio texto o refere a propósito do congelamento de salários), logo o topo da carreira tem sido penalizado em relação à média. Não se pode portanto generalizar estes 12%.
- Os valores em causa são do vencimento bruto. Eu continuo sem saber o que é o "poder de compra", mas salário bruto não é exactamente o que pensamos quando nos referimos a "poder de compra", que imagino estar mais associado ao salário líquido. E a diferença neste caso é importante, porque se houve aumentos de salários abaixo da inflação esperada e os escalões do IRS foram actualizados ao nível da inflação esperada, houve quem tenha saltado de escalão, resultando numa diminuição percentual menor do salário líquido do que do salário bruto - ou maior já que ao longo deste período houve várias mexidas nos escalões, nomeadamente a introdução de um escalão de 42%.
Hoje (16 Janeiro) o Público publica um gráfico que mostra que os funcionários públicos perderam "poder de compra" consecutivamente nos últimos 9 anos. No
post anterior referi-me a uma afirmação semelhante - e aparentemente errada - de Menezes. É que o Público refere-se apenas aos funcionários públicos e Menezes referia-se a todos os trabalhadores. A fazer fé nos dados do Público - e como já mostrámos aqui tanta vez, é mesmo uma questão de fé - é inteiramente verdade que os funcionários públicos perderam constantemente "poder de compra" ao longo de 9 anos (em termos médios e não em termos individuais, já que individualmente pode haver subidas de escalão que levam a aumentos dos rendimentos, o que não seria muito sério fazer).
Sendo que "poder de compra" significa
desta vez salário bruto real. Também não será o melhor indicador de "poder de compra dos trabalhadores", deixando de fora variações de impostos, subsídios, etc... mas enfim é melhor que o PIB per capita real.
Já agora, um erro que ouvi/li hoje repetidamente. O facto de os governos aldrabarem sucessivamente na inflação esperada, sempre com "estimativas" abaixo da realidade, não implica de modo nenhum que os salários reais desçam! Isto porque na maioria dos anos, o aumento médio dos salários não coincide com a inflação "
prevista". Houve anos que foi acima, outros que foi abaixo. Foi sim, sempre abaixo da inflação
registada na prática.
Sobre a notícia que já referi
aqui, a RTP comete exactamente o mesmo erro, mas dum jeito bem mais sensacionalista e deturpando os números em causa.
"O poder de compra em Portugal voltou a descer", diz José Rodrigues dos Santos."
Viver é cada vez mais difícil" diz Leonor Elias.
"
É cada vez mais difícil satisfazer as necessidades" repete Leonor Elias.
(transcrições não literais)A RTP acrescenta outra mentira. O facto de o PIB per capita ter descido
relativamente à média europeia, não significa de modo nenhum que o seu valor absoluto caia. Aliás, como sabemos até subiu este ano e o ano passado.
Para que Leonor Elias perceba, aqui fica um exemplo.
76% de 100€ em 2005 dá 76€
75% de 105€ em 2006 dá 78,75€
E agora o passo difícil, 78,75 é
maior que 76.
Sob o título, "
Poder de compra mantém-se 25% abaixo da média da UE" uma
notícia do Diário Digital confunde PIB per capita com poder de compra. O produto interno bruto per capita mede a quantidade de valor produzida dentro de um país por cada habitante em média.
O poder de compra dos cidadãos não existe como grandeza económica e de qualquer modo o PIB per capita não é certamente o melhor indicador desse poder por duas razões fundamentais.
Primeiro não contabiliza os fluxos financeiros entre países como lucros, remessas de imigrantes, subsídios externos, etc... ou seja se eu tiver um táxi na Suíça, um tio na França que me manda dinheiro ou se receber um subsídio da UE, tenho mais dinheiro do que o que produzi. S
egundo não contabiliza as transferências de e para o Estado, como impostos e subsídios. Por pagar IRS, IVA, etc... não posso de maneira nenhuma gastar tudo o recebi de salário/lucro, mas por outro lado posso receber subsídios do Estado que aumentam o meu poder de compra. Só faria sentido associar PIB per capita e poder de compra se estes "detalhes" fossem iguais em todos os países, o que obviamente não acontece.
Eu suponho que o jornalista tenha confundido os dois porque viu a expressão Paridade de Poder de Compra (PPP) algures, e concluiu que se estava a falar de poder de compra. Digo isto porque a certa altura menciona a PPP "
de acordo com o critério PPS [sic]
(sigla inglesa para Paridade do Poder de Compra), um conceito que exclui o efeito da inflação/país". Ora
nem isto está correcto. A PPP toma em conta o nível de preços entre dois países. Se eu ganhar 10 e um espanhol 15, mas eu poder comprar 10 maçãs e ele também, então ele ganha exactamente o mesmo que eu! A inflação é apenas a variação anual do índice de preços, indicando apenas a variação de quanto valem os meus 10 e os 15 dele, e não o seu valor propriamente dito.