No DN de hoje continua a fazer-se jornalismo sensacionalista à grande (semelhante ao que já aqui foi dito).
1. Na Internet, temos o título "Portugueses estão a comprar menos comida" (título diferente do que vem na capa do jornal). Ora, quem escreveu o título, ou não percebeu a notícia, que só se refere a gastos, e portanto não percebe a diferença entre quantidade e valor, ou estava imbuído de uma motivação meramente sensacionalista, e lá vai disto!
2. Na capa, o título é, aparentemente, melhorzinho: "Portugueses já estão a reduzir os gastos com a alimentação". Mas não, sensacionalismo e parvoíce outra vez!
A notícia retira qualquer credibilidade ao título bombástico e falso da capa, porque aquela se refere apenas a uma "análise da Netsonda, feita junto de utlizadores de Net" e como "disse ao DN um dos partners da Netsonda, (...) o estudo, até pelo perfil dos inquiridos, não pretender representar a opinião de todos os portugueses".
Então porque raio se escreve os "Portugueses"?!
Mas mais, na notícia, podemos ler que segundo o vice-presidente da CCP "as pessoas não estão a comprar muito menos produtos alimentares estão é a escolher os de preços mais baixos".
Palavras para quê?...
Não há ninguém que meça (1) os gastos com estudos sem qualquer validade, (2) os custos de oportunidade em deixar os jornalistas ocuparem-se com notícias que o não são, e (3) os efeitos negativos na formação de expectativas e nos comportamentos da população decorrentes desta enxurrada de (falsa) informação negativa? Quem é que anda a pagar isto?
(A do tabaco e narcóticos, na notícia, é bem gira. Imaginar agora um fumador ter de se aguentar à bronca com o raio da crise e abdicar do cigarro depois da bica...)
Como é que se chega à conclusão que "A 'cunha' continua a ser o 'modo de acesso mais frequente' à profissão de jornalista", uma vez tendo sido "entrevistados 41 profissionais na fase qualitativa do trabalho de investigação", como nos é dito hoje no Público acerca da apresentação de um estudo?
É que, vai-se a ver, e o número de jornalistas em Portugal em 1997 era de 4247 (dado disponível aqui), sendo que, suponho eu, este número terá aumentado nos últimos 11 anos.
Ora, é preciso voltar a mencionar questões amostrais?
Hoje no DN, o alarme aviário: "Frango que está à venda tem bactérias perigosas"!
E reza assim o início desta pirotecnia jornalística: "esmagadora maioria (96%) dos frangos à venda no mercado nacional tem bactérias, três das quais "podem causar infecções graves", conclui um estudo da Pro Teste, revista da Deco. Os técnicos analisaram 69 amostras de frango (...)"
Então mas a intenção é informar ou fazer-nos deixar de comer canja?
Não acham importante, antes de escrever estas coisas, perguntar como raio conduziu a Deco este estudo? Quem nos garante que os 69 pedaços de carne -- entre "hambúrgueres, asas, pernas e coutos [sic] de frango" -- que estavam "à venda em estabelecimentos de Lisboa e Porto", representam o mercado nacional? (no site da Deco não é possível, infelizmente, aceder ao estudo)
Se isto não é exagero e alarmismo, dado o que nos é dado saber quanto à amostra, então eu posso aqui anunciar, baseado em algumas amostras pessoais que me provocaram alguns desarranjos, sem qualquer problema, que:
- o peixe que está à venda tem bactérias perigosas, com excepção para o atum
- o chouriço de sangue, a alheira e a morcela preta têm bactérias perigosas
- as pataniscas de bacalhau, as bifanas a la roulotte, e as farturas têm bactérias perigosas
(...)
Há estudos que deixam dúvidas quanto à representatividade das amostras (o elemento por ventura mais importante em amostragem, face à dificuldade de, na prática, garantir a aleatoriedade), sobre as quais se baseiam para retirar conclusões sobre a população.
Mas e se uma notícia sobre um estudo revelar que a amostra não é representativa? É o que acontece no Público de hoje, na notícia (com honras de 1ª página) "Quem mais sabe sobre sexo, mais tarde inicia as relações".
Segundo se pode ler no texto, "a amostra foi de 2621 alunos de 63 escolas secundárias de vários pontos do país, com idades que andam entre os 15 e os 19 anos, (...) mas que não é representativa desta população a nível nacional." Sim, é isto que está lá escrito.
Então o que valem a notícia, a sugestão de causalidade que é feita - conhecimentos sexuais e consequente iniciação sexual - e a generalização para a população portuguesa?
Para que da análise de uma amostra de indivíduos se tirem conclusões para a população de indivíduos de onde essa amostra provém, é necessário que a amostra verifique, pelo menos, duas condições: seja aleatória e representativa.
A aleatoriedade significa que todos os elementos da população têm uma probabilidade não nula de ser seleccionados para a amostra. A representatividade significa que a estrutura da amostra respeita a estrutura da população nas suas características principais, nomeadamente naquelas que se esperem estar relacionadas com o tópico em estudo.
Ora, a notícia do Diário Económico de hoje, em letras garrafais na primeira página, é um insulto grosseiro aos mais elementares princípios estatísticos que permitem a formulação de conclusões sobre uma população a partir de uma amostra.
Concluir e afirmar categoricamente no título da notícia em primeira página, e novamente no início do texto, que “os empresários portugueses apoiam obras públicas”, tendo por base uma amostra de 20 empresários contactados pelo jornal, que muito dificilmente representam a população de “empresários portugueses”, é de provocar urticária.
Pior ainda: como se não bastasse o facto de a amostra de 20 empresários muito dificilmente ser (aleatória e) representativa da população, lê-se depois no texto que, afinal, apenas 9 daqueles empresários “apoiam” sem reservas os projectos públicos previstos.
Ou seja, não só seria errado concluir para a população fosse o que fosse com esta amostra, como ainda por cima a conclusão, mesmo que apenas para a amostra, está errada. Mais de metade dos empresários contactados apoia com reservas ou não apoia os projectos públicos.
Das duas uma: ou os erros de análise do jornal são cometidos sem consciência dos mesmos ou, não o sendo, não é ingénuo não querer noticiar a “não-notícia” de que 9 empresários portugueses apoiam obras públicas.
(mais um artigo, desta feita publicado a 13 de Março de 2007 no então 'Economia' do DN pelo mesmo autor, aqui republicado a fazer novamente jus à génese do 'A Pente-Fino')
A manifestação contra as políticas PS organizada pela CGTP no passado dia 2 foi considerada "a maior de todos os tempos", reunindo em Lisboa 120 mil pessoas (dados da PSP). No entanto, o Barómetro da Marktest uma semana antes e o estudo da Eurosondagem no mesmo dia da manifestação, revelavam (1) que as intenções de voto reforçam a maioria absoluta ao PS e (2) a enorme popularidade de José Socrates. Existirá aqui, como sugerem algumas opiniões, algum paradoxo? Analisemos então os dois factos à luz dos conceitos de aleatoriedade e representatividade.
A manifestação não é aleatória, ou seja, os manifestantes não foram (e em rigor nem o podiam ser) escolhidos aleatoriamente. A este respeito, há a considerar, entre outros, um problema de auto-selecção, isto é, existem pessoas com maior motivação e em melhores condições (mais tempo, p.ex.) para participar em manifestações do que outras. Desde logo, reformados e desempregados, e ainda os que estarão sempre disponíveis para qualquer manifestação seja ela qual for, seja porque daí retiram algum prazer ou, como neste caso, por fidelidade/compromisso sindical. E a manifestação não é representativa da população portuguesa, activa ou não. Não o é em termos geográficos nem em termos de estratos sociodemográficos. E afectando ambos, claramente, não o é também em termos políticos: foi uma manifestação da CGTP, a Intersindical apoiada pelo PCP.
Quanto às sondagens, apesar da sua suposta garantia de aleatoriedade, esta não é perfeita. Se mais razões não houvesse, tome-se apenas o simples facto de as listas de onde são escolhidos os entrevistados conterem erros. Ou seja, os portugueses não têm todos a mesma probabilidade de serem seleccionados para a amostra. No entanto, parte desta imperfeição nas sondagens é tida em conta no cálculo do erro amostral e na estipulação de um intervalo de confiança. Mas o mais importante é que as sondagens (ou qualquer estudo baseado numa amostra) sejam representativas da população em análise. E à partida não existe razão para se suspeitar que o não são.
Assim, não parece existir aqui nenhum paradoxo. Não, como erradamente se possa pensar, por uma diferença na magnitude dos números, isto é, o facto de 120 mil manifestantes serem uma minoria quando comparados com o total de portugueses, mas por uma diferença no que os números representam. Os manifestantes não são representativos da população portuguesa (nem aleatórios), enquanto as sondagens, mesmo que baseadas num número de entrevistas incomparavelmente menor - cerca de mil -, assentam em pressupostos estatísticos que permitem generalizar os resultados amostrais para a população em causa.
Se deve ou não prestar-se atenção a qualquer um dos factos e quais as ilações que deles se podem retirar, essas são outras questões.
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